O melhor da década 2011-2020
Invasão SUV/Crossover. O que começou como moda é agora o “novo normal”
Passo a passo, o domínio dos SUV/Crossover não parou de crescer na última década. Estão aí para ficar e ameaçam "secar" tudo à sua volta. Mas quais as razões do seu sucesso?

Não é preciso uma longa análise aos dados do mercado na última década para constatar que os SUV/Crossover estão cada vez mais a tornar-se na “força dominante” do mercado automóvel mundial.
O sucesso não é de agora e tem sido construído desde o virar do século, mas só na década passada é que a moda dos SUV/Crossover disparou.
E nenhuma marca parece estar imune — ainda deve haver gente que não ultrapassou o facto de a Porsche ter lançado o Cayenne no início deste século, apesar de estar na sua terceira geração. No entanto, seria o nascimento dos Nissan Qashqai (2006) e Juke (2010) que impulsionariam verdadeiramente esta tipologia.
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Agora, enquanto os segmentos B e C são “inundados” por SUV (Sport Utility Vehicle) e Crossover, aquela que parecia ser uma moda apresenta-se, cada vez mais, como o “novo normal” do mercado automóvel, principalmente quando verificamos que aquele que parece ser o futuro da indústria — a eletrificação — está a ser construído, sobretudo, neste formato de carroçaria.
Alguns dos números do domínio
Depois de uma década a ver a importância dos SUV/Crossover no mercado crescer, o início de 2021 veio confirmar o peso destas propostas no mercado europeu, com os SUV/Crossover a representarem 44% dos registos em janeiro, como nos revelam os dados da JATO Dynamics.
Estes valores apenas confirmam uma tendência há muito antecipada. Segundo a JATO Dynamics, em 2014, a nível global, os SUV contavam com uma quota de mercado de 22,4%. Ora, em apenas quatro anos esse valor subiu para os 36,4%, e… continua a aumentar.
Porém, como em tudo, para cada ação há uma reação e o crescente domínio dos SUV/Crossover está a ser feito às custas de outras tipologias ou formatos de carroçaria mais convencionais (e não só), algumas das quais em risco de desaparecerem totalmente.

As “vítimas” do sucesso dos SUV/Crossover
Não há espaço para todos no mercado e para uns serem bem sucedidos outros terão de falhar. Foi o que aconteceu com o formato que até já foi apelidado de “carro do futuro”, o MPV (Multi-Purpose Vehicle), ou como os conhecemos por cá, os monovolumes.
Também eles chegaram, viram e conquistaram, sobretudo durante os anos 1990 e os primeiros anos deste século. Mas nem foi preciso esperar pelo final da última década para ver os MPV reduzidos a apenas uma mão cheia de propostas no “velho continente”, tendo desaparecido em massa dos vários segmentos do mercado que ocupavam.
Mas os monovolumes não foram os únicos a ressentirem-se do sucesso dos SUV/Crossover. Na sua “voragem” os SUV também foram uma peça chave para o declínio substancial dos sedãs (carroçarias de três volumes), cujas vendas têm contraído a cada ano que passa, fazendo com que muitas marcas (sobretudo as generalistas) abdiquem deles.

Também os (verdadeiros) coupés ou as carroçarias de três portas de contornos mais desportivos viram o seu lugar ser tomado em parte pelos híbridos estilísticos que são os “SUV-Coupé” e o bastião europeu que eram (e ainda são) as carrinhas, muitas delas muito mais bem sucedidas do que os hatchbacks/sedãs de que derivam, também se têm ressentido.
Apesar de até podermos considerá-las como percursoras do conceito SUV nas suas versões de “calças arregaçadas”, nos últimos tempos as carrinhas têm sido preteridas por quem procura uma proposta de cariz familiar. E agora, até marcas com forte tradição neste tipo de carroçaria, como a Volvo, estão a “virar-lhes as costas” — os três modelos mais vendidos da marca sueca atualmente são os seus SUV.
A NÃO PERDER: Peugeot 5008 GT (2021). Será que os 7 lugares compensam?Por fim, hoje em dia parecem ser os comuns hatchback (carroçarias de dois volumes), outrora dominantes e inalcançáveis, a estar sob ameaça, principalmente nos segmentos mais baixos do mercado, onde por cada modelo dos segmentos B e C já é possível enumerar uma ou duas alternativas no “formato da moda”.
Em alguns casos, já é o SUV/Crossover aquele que garante um maior número de vendas em relação ao carro “convencional” do qual deriva.

B-SUV, o motor do crescimento
É precisamente no segmento B, na Europa, que podemos “imputar” grande parte da responsabilidade do crescimento da quota de mercado dos SUV/Crossover. Se há dez anos se contavam quase pelos dedos de uma mão os B-SUV no mercado, hoje são mais de duas dezenas de propostas.
O “gatilho” foi o inesperado sucesso do Nissan Juke e, poucos anos depois, do seu “primo” francês, o Renault Captur. O primeiro, lançado em 2010, criou um subsegmento ao qual todas as marcas quiseram ou tiveram obrigatoriamente de aderir após constatarem o seu enorme sucesso; enquanto o segundo, nascido em 2013 com um visual mais ortodoxo, ascendeu à liderança do segmento e veio mostrar que era nos B-SUV que estava o futuro do segmento B.

No segmento acima, o Qashqai já tinha lançado as bases da ascensão dos SUV/Crossover e, verdade seja dita, na década seguinte continuou a “ditar lei”, quase sem resistência. Teríamos de esperar quase até ao final da década que terminou para ver outros SUV/Crossover no segmento darem luta ao seu domínio comercial, que veio na forma do Volkswagen Tiguan, do “nosso” T-Roc e também da segunda geração do Peugeot 3008.
Já nos segmentos superiores, foram várias as marcas que “entregaram” o estatuto de topo de gama na Europa a um SUV, como são exemplo as sul-coreanas Kia e Hyundai com os Sorento e Santa Fe, ou a Volkswagen com o Touareg, que sucedeu onde o tradicional Phaeton falhou.

Os motivos do sucesso
Apesar de haver muitos petrolhead e entusiastas das quatro rodas que não são fãs dos SUV/Crossover, a verdade é que conquistaram o mercado. E há muitos argumentos que ajudam a perceber o seu sucesso, dos mais racionais aos psicológicos.
VEJA TAMBÉM: Culpem os SUV. Carrinhas também em quedaPrimeiro, podemos começar pela sua aparência. Comparados com os veículos dos quais derivam, há uma diferença clara na forma como os percepcionamos. Quer seja pelas suas dimensões mais avantajadas, rodas de maiores dimensões, ou até as “proteções” em plástico que os acompanham qual armadura, parecem ser mais robustos e capazes de nos proteger melhor — “parecem” é a palavra-chave…
Também ainda associamos aos SUV/Crossover certos sentimentos de evasão ou escape, ainda que muitos não saiam da “selva” urbana. Muitos de nós identificam-se com esses sentimentos, mesmo que nunca os coloquemos em prática.
Segundo, sendo mais altos (maior distância ao solo e carroçaria mais alta) oferecem uma posição de condução mais elevada, que muitos percepcionam como sendo mais segura. A posição de condução mais elevada permite também uma visão mais privilegiada da estrada, facilitando a visão ao longe.

Em terceiro, e tal como já referimos num artigo que publicámos há uns anos, há uma questão fisiológica essencial por detrás do sucesso dos SUV/Crossover: é mais fácil entrar e sair do veículo. Ainda que não seja verdade para todos eles, muitos condutores apreciam o facto de não terem de se “dobrar” muito ou “puxar” pelos músculos das pernas para saírem do seu veículo. A frase de ordem parece ser… “deslizar para dentro e para fora” e sem beliscar a dignidade da pessoa, como acontece em veículos mais baixos.
Parece capricho, mas não é. A população no mundo ocidental está cada vez mais envelhecida e isso significa que há cada vez mais gente com maiores dificuldades de movimentos e locomoção. Um veículo mais alto e com posição de condução mais elevada pode ajudar e muito, ainda que a distância ao solo acrescida dos SUV também possa ser motivo de dificuldades — um problema que os MPV não tinham…

Usando um exemplo extremo, é bem mais fácil entrar num Nissan Qashqai do que num Alpine A110. Mesmo quando comparando com carros equivalentes, certamente é mais fácil entrar e sair de um Captur do que de um Clio, ou de um T-Roc relativamente a um Golf.
Mas há mais. Os B-SUV, por exemplo, apresentam hoje cotas de habitabilidade que rivalizam com os pequenos familiares do segmento C. São uma opção a ter em conta para as famílias que, outrora, por imposição orçamental, optavam por um utilitário, mesmo sendo estes B-SUV mais caros que os modelos dos quais derivam.

Por fim, a rentabilidade. Do lado da indústria (de quem os faz) os SUV/Crossover acabaram também por ser muito apreciados, pois garantem margens de rentabilidade superiores. Se na linha de produção custam tanto ou pouco mais que os carros dos quais derivam, o preço ao cliente é, no entanto, bastante superior — mas os clientes estão dispostos a dar esse valor —, garantindo uma margem de lucro superior por unidade vendida.
Na década que passou e também nesta que agora se inicia, os SUV/Crossover são vistos por muitos analistas como um balão de oxigénio para a indústria automóvel. O seu preço superior e maior rentabilidade permitiu aos fabricantes enfrentar melhor e absorver os custos crescentes de desenvolvimento e produção (conteúdo tecnológico e de anti-emissões nos veículos não para de crescer), assim como fazer face aos avultados investimentos necessários para a transição para a mobilidade elétrica e digital.

As “dores” de crescimento
Contudo, nem tudo “são rosas”. O sucesso dos SUV/Crossover teve também algumas consequências não desejadas nesta última década em que tanto se falou na redução das emissões de CO2. Não são de todo o tipo de veículo ideal para ir de encontro a esse objetivo.
Comparando com os automóveis convencionais de que derivam, têm uma área frontal e um coeficiente de resistência aerodinâmica maiores, e são mais pesados, o que faz com que o seu consumo de combustível e, consequentemente, de emissões de CO2, sejam sempre mais elevados.

Em 2019 a JATO Dynamics alertava que o sucesso dos SUV (então cerca de 38% dos veículos registados na Europa) era um dos fatores que estava a contribuir para um aumento das médias de emissões das cada vez mais exigentes metas da União Europeia.
Só que, entretanto, a “explosão” de híbridos plug-in e elétricos, muitos deles em formato SUV/Crossover, ajudou a mitigar esse problema — em 2020, as emissões de CO2 baixaram cerca de 12% face a 2019, uma descida substancial, mas mesmo assim, ficaram acima da meta das 95 g/km.
VEJAM TAMBÉM: Europa. Objetivo era de 95 g/km de emissões de CO2. Foi atingido?Independentemente da ajuda da eletrificação, é certo que esta tipologia será sempre menos eficiente que outras mais tradicionais, onde os veículos são mais baixos e mais próximos do solo. Mesmo num futuro cada vez mais elétrico e tendo em conta as baterias de hoje (e dos próximos anos), continua a ser imperativo encontrar formas mais eficientes de reduzir a massa dos veículos que compramos, para conseguir “espremer” todos os quilómetros adicionais possíveis de uma só carga.
O futuro
Se este Especial “O melhor da década 2011-2020” é uma oportunidade para parar e refletir sobre o que se passou na indústria automóvel nos últimos 10 anos, não resistimos, neste caso, a olhar para o que esta nova década que agora se inicia reserva para o futuro dos SUV/Crossover.
São vários os fabricantes, pela voz dos seus principais responsáveis e designers, que já falam num mundo pós-SUV. O que é que isso significa? Teremos de aguardar mais algum tempo por respostas concretas, mas os primeiros sinais mostram um afastar da fórmula tradicional do SUV, para uma fórmula mais ligeira, ainda claramente Crossover, uma espécie de híbrido automóvel: a berlina crossover.

Desde o novo Citroën C5 X ao Ford Evos, passando pelo Polestar 2, Hyundai Ioniq 5 e Kia EV6 ou ainda pelo futuro Mégane E-Tech Electric, é possível antever o fim da berlina e carrinha tradicional, surgindo no seu lugar uma espécie de fusão de várias tipologias num veículo só, de difícil categorização.
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