Notícias BMW: “só deixaremos de fabricar motores (de combustão) quando não houver mais clientes a quem os vender”

Entrevista

BMW: “só deixaremos de fabricar motores (de combustão) quando não houver mais clientes a quem os vender”

Nesta segunda parte da entrevista a Oliver Zipse, CEO da BMW, ficamos a saber mais sobre a eletrificação no grupo e do destino dos motores de combustão.

Na primeira parte da entrevista ao CEO da BMW, Oliver Zipse, ficámos a saber de que forma o Coronavírus está a impactar as atividades do grupo alemão, e se o grupo conseguirá cumprir as temidas 95 g/km de CO2 impostas à indústria automóvel.

Nesta segunda parte, Oliver Zipse esclarece-nos melhor o que esperar da eletrificação crescente no grupo e também do que isso implicará para o futuro dos seus motores de combustão.

Sobra ainda espaço para sabermos como corre a relação com a Mercedes-Benz, que apesar de continuar como arquirrival no negócio dos automóveis, é a sua parceira no negócio da mobilidade.

PRIMEIRA PARTE: Coronavírus, emissões, eletrificação. Entrevistámos Oliver Zipse, CEO da BMW
BMW Concept i4 com Oliver Zipse, CEO da marca
BMW Concept i4 com Oliver Zipse, CEO da BMW

Futuro eletrificado

Quais as principais diferenças entre o i4 — antecipado pelo Concept i4 — e o iNext que a BMW apresentou em 2018?

Oliver Zipse (OZ): O iNext e o i4 são construídos sobre a mesma quinta geração dos nossos componentes elétricos e, portanto, têm vários pontos em comum, como as células da bateria e a estrutura dos módulos e, ao mesmo tempo, muitas sinergias no chassis. Mas pertencem a diferentes segmentos, já que o iNext está posicionado acima e é um SAV (ndr: Sport Activity Vehicle, a nomenclatura da BMW para os SUV), enquanto o i4 é um Gran Coupé, muito mais estreito.

Ou seja, têm clientes-alvo diferentes. Gostaria de destacar que o iNext irá marcar um importante avanço em conteúdos tecnológicos relevantes como conectividade 5G e aptidões de condução autónoma de nível 3, o que significa que será um carro revolucionário.

BMW Vision iNext

É da opinião de que existe, realmente, uma procura natural por carros eletrificados ou, de momento, acontece porque existe a obrigatoriedade de cumprir as mais exigentes normas de anti-contaminação?

OZ: Sim… Bem… acho que os veículos eletrificados respeitam os valores da nossa marca e já existe uma procura natural, que crescerá no futuro. No ano passado, os modelos eletrificados tiveram uma participação de 8% no total das nossas vendas e, nos primeiros dois meses de 2020, essa quota aumentou para 10%, como resultado do que o cliente prefere.

Os motores a gasolina/Diesel vão ficar em segundo plano o curto prazo? Isso não vai acontecer, mas à medida que a infraestrutura de carregamento aumentar e a tecnologia de baterias se tornar mais acessível vão tornar-se cada vez mais uma escolha natural.

BMW iNext, BMW iX3 e BMW i4
O futuro elétrico próximo da BMW: iNEXT, iX3 e i4

Dispor de uma plataforma EV específica permite aproveitar ao máximo o espaço interior criando habitáculos muito mais amplos do que as dimensões exteriores deixariam supor. Temos alguns exemplos disso, como o Volkswagen ID.3 que tem o tamanho de um Golf e o espaço interior de um Passat e uma situação semelhante ocorre com o Jaguar i-Pace.

Mas a BMW prefere apostar em plataformas não dedicadas para veículos elétricos. Esta é uma lição que a BMW aprendeu com o i3 que tinha uma plataforma especialmente projetada?

OZ: Com o i4 mostramos que é possível ter um verdadeiro BMW com espaço interior suficiente, uma autonomia alargada (cerca de 600 km) e a importante vantagem de manter a flexibilidade de produção, o que é muito relevante, considerando que ninguém sabe ao certo como vai evoluir a procura de veículos elétricos. Este modelo mostra que não precisamos de uma arquitetura específica para os nossos automóveis elétricos que proporcionarão experiências de condução dignas de BMW, além de todas as vantagens anteriores que mencionei.

BMW i. Visionary Mobility
A inovadora construção do BMW i3, onde uma célula de carbono assenta sobre uma estrutura em alumínio.

E é uma questão de lógica: devemos ter em mente que a BMW está presente em 195 mercados em todo o mundo e muitos desses mercados são muito diferentes, com solicitações de clientes diferentes e regulamentos bem diferentes.

Para ser um player global de sucesso, acho que é obrigatório trabalhar com plataformas flexíveis das quais podemos extrair carros de produção em série com motores de combustão, híbridos plug-in e veículos elétricos e, não devemos esquecer, veículos a hidrogénio, que acreditamos que venham a ter um aumento de procura na próxima década (a BMW vai preparar uma pequena frota de X5 a hidrogénio em 2022 e, pouco depois, começaremos com a produção em série). E é por isso que estamos a seguir esta estratégia.

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A sua empresa diz que em 2021 terá um milhão de veículos eletrificados nas estradas em todo o mundo. Qual a importância do Mini elétrico nessa estratégia e há um cliente diferente a querer comprá-lo?

OZ: O novo Mini elétrico está a gerar grande interesse e recebemos mais de 120 000 pedidos de informações sobre ele. Ainda mal iniciámos as vendas e já recebemos nada menos do que 7000 encomendas, uma demonstração mais de que somos capazes de manter os atributos dinâmicos pelos quais a Mini é conhecida (próximo da sensação de guiar um kart), mesmo sendo um carro 100% elétrico.

Mini Cooper SE

Por outro lado, mostra também que nem todos os clientes precisam de várias centenas de quilómetros de autonomia, especialmente em veículos urbanos como o Mini (onde há menos espaço para montar baterias do que em carros maiores), que oferece autonomia suficiente. E esse será um dos modelos que irá contribuir para o tal milhão de carros eletrificados do Grupo BMW nas estradas em todo o mundo no próximo ano.

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Fim do motor de combustão?

Alguns fabricantes já se pronunciaram sobre quando tencionam abandonar definitivamente a produção de automóveis ICE (ndr: com motores de combustão interna). Como avalia a evolução dos diferentes sistemas de propulsão, incluindo a pilha de combustível?

OZ: Entre 2021 e 2030, os regulamentos determinam que o nível de emissões da frota por fabricante deve ser reduzido em mais 37,5%, o que significa que todos teremos que reduzir as emissões de CO2 para aproximadamente 70 g/km.

BMW inauguração fábrica de motores

Ainda assim continua a haver espaço para automóveis com motores de combustão, porque, caso contrário, isso significaria que haveria apenas veículos elétricos no mercado. E seria um erro comercial não investir na purificação dos demais motores de combustão que estarão à venda naquele momento, sejam eles a gasolina, Diesel ou híbridos plug-in (que também usam motores de combustão).

É muito improvável que, dentro de 10 ou 15 anos, todos os 195 mercados onde estamos presentes implementem um regulamento de zero emissões. Portanto, é obrigatório que continuemos a investir em tecnologia de motores de combustão, o que significa que a BMW só deixará de fabricar esses motores quando não houver mais clientes a quem os vender. Portanto, não seremos nós a dizer ao mercado quando os motores de combustão vão acabar mas será o mercado a determinar quando já não serão precisos.

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Car-sharing vs Ride-sharing

As cidades onde o programa ShareNow estava em execução na América do Norte e várias na Europa interromperam a suas operações no final de fevereiro. Está a perder o interesse no projeto conjunto de mobilidade com a Daimler?

Share Now

OZ: Muito pelo contrário. No ano passado, unimos forças com o Grupo Daimler e temos intenções de continuar a investir nele. O ecossistema é composto por ChargeNow, ParkNow, ShareNow e FreeNow (ndr: o último semelhante ao serviço da Uber), que é precisamente o mais promissor.

À medida que o tempo passa é natural que tenhamos que fazer ajustes em relação a onde investimos ou desinvestimos (oferecemos esses serviços de mobilidade em nada menos do que 140 cidades), mas os números de 2019 fazem-nos sentir muito seguros: no FreeNow temos 3,9 milhões de clientes que completaram 300 milhões de viagens em 2019 (um aumento de mais de 100% em relação a 2018), além de receitas de dois mil milhões de euros no ano passado.