Crónicas Atropelamentos e acidentes. O polémico vídeo sobre a Tesla é real?

Condução Autónoma

Atropelamentos e acidentes. O polémico vídeo sobre a Tesla é real?

O sistema FSD (Full Self Driving) da Tesla está «debaixo de fogo» nos EUA. Um anúncio no intervalo do Super Bowl, um dos eventos mais mediáticos do mundo, coloca em causa a tecnologia.

Tesla Model 3 na estrada com "boneco de testes" a atravessar estrada
© Dawn Project

No último domingo milhões de americanos — e seguramente outros tantos milhões de pessoas espalhadas pelo mundo — assistiram ao Super Bowl, a grande final da NFL, a principal liga de futebol americano.

Confesso que não entendo nada de futebol americano — nem de futebol em geral para ser sincero —, mas o espetáculo há muito que já não é apenas desportivo. É também mediático. Quem não ficou impressionado com o espetáculo da Rihanna deve procurar um cardiologista, o vídeo está aqui para quem não assistiu.

No meio de anúncios de vários milhões, há outro que está a gerar polémica. Um anúncio que mostra vários vídeos, com condutores de modelos Tesla a usarem a versão «beta» do sistema FSD (Full Self Driving) da marca. Ora vejam:

As imagens são reais? Sim, mas…

Bonecos que imitam crianças a serem atropelados, modelos Tesla a incumprir regras de trânsito, embates em postes, ciclistas à beira de serem atropelados, entre outros. Toda a tónica do vídeo é propositadamente alarmista e as imagens são efetivamente reais.

Em todas estas situações há uma constante: a utilização do sistema FSD da Tesla na versão «beta».

Este vídeo faz parte de uma campanha levada a cabo pela Dawn Project. Uma associação americana cujo objetivo é “tornar os computadores seguros para a humanidade. Sem falhas e que não podem ser hackeados“, lê-se na página principal desta associação. O fundador da Dawn Project é Dan O’Dowd, um multimilionário da tecnologia e um crítico acérrimo da marca liderada por Elon Musk.

Dan O’Dowd exige que a NHTSA — a entidade norte-americana que certifica a segurança dos automóveis — proíba a utilização deste sistema FSD Beta da Tesla. Em causa estará, segundo Dan O’Dowd, a segurança pública.

A sua convicção relativamente às falhas e perigos deste sistema é tanta que Dan O’Dowd está concorrer ao Senado norte-americano apenas com um propósito: proibir a sua utilização.

A verdade é que, pese embora as imagens sejam reais, estamos na presença de um sistema de condução autónoma de nível 2+. Este é um dado, como veremos adiante, muito importante.

Não é um sistema de condução autónoma total

É impossível não admirar aquilo que a Tesla tem vindo a desenvolver no campo da condução autónoma ao longo dos últimos anos. Além disso, como mencionei acima, trata-se de um sistema de «nível 2 avançado», ou seja, um sistema que não carece das mãos no volante de forma constante e da atenção do condutor em todas as situações.

Para quem não está familiarizado com os níveis de condução autónoma vale a pena relembrar este artigo publicado pela Razão Automóvel em 2018.

As minhas palavras soam a uma defesa da Tesla? Sim, em parte. É um sistema fantástico que vale a pena experimentar.

O problema maior, quanto a mim, não está na tecnologia — falível como é obvio. Está na forma como a Tesla promove este sistema começando pelo nome: Full Self-Driving Capability ou capacidade de condução autónoma total.

Sejamos objetivos: não é um sistema de condução autónoma como o próprio nome indica. É antes um sistema de nível 2+, não de nível 5.

E neste particular não é só através do nome que a Tesla promove erradamente este sistema. É também na forma como o comunica. No website da marca é possível ver um vídeo onde a marca afirma que só está um «ser humano» no lugar do condutor por questões legais, caso contrário nem precisava de lá estar. Não é verdade — vejam o vídeo.

O assunto é sério

Entre o marketing agressivo da Tesla e o fundamentalismo latente de quem parece não olhar a meios para ir contra a tecnologia, estão vidas humanas. É a parte mais valiosa e também mais frágil desta equação.

Não nos podemos dar ao luxo de saltar etapas nem de polarizar o discurso. E tantas são as vezes que o discurso parece polarizado no que diz respeito ao futuro do automóvel. Não se trata de futebol — apesar desta polémica ter surgido no intervalo de um jogo.

Neste particular, vale a pena recordar as palavras de Austin Russel, o fundador da LUMINAR, uma das empresas que lidera a tecnologia de condução autónoma.

Tive oportunidade de o entrevistar durante a apresentação do novo Volvo EX90 — que estreia uma tecnologia desenvolvida por esta empresa — onde defendeu que “a condução autónoma de nível 5 está a décadas de distância” e que precisamos de “prudência na forma como avançamos”. Podem recordar parte dessa entrevista neste vídeo.

Estas afirmações, vindas de alguém que fez fortuna a tornar os carros mais inteligentes — segundo a revista Forbes, Austin Russel é o mais jovem multimilinário do mundo — têm muito peso. O assunto exige uma seriedade que por vezes parece faltar.