Crónicas Potência máxima é tão 2022

Prazer de condução

Potência máxima é tão 2022

Os carros elétricos oferecem cada vez mais potência. Mas a diversão nunca foi uma linha reta, pois não?

citroën saxo cup, traseira 3/4
© Citroën

Para quem, como eu, cresceu a devorar revistas de carros e a decorar as fichas técnicas dos modelos, parece que o mundo está virado do avesso.

Acreditem ou não, sabia de «cor e salteado» os valores de potência, velocidade máxima e aceleração de praticamente todos os modelos à venda em Portugal. Não estou a exagerar. Infelizmente, esta capacidade de memorização nunca teve réplica nas disciplinas de História, Geografia ou Estudo do Meio — para meu desespero e dos meus pais também.

E digo que o mundo está virado do avesso porquê? Porque a informação que consta das fichas técnicas dos carros atuais parece que não corresponde à realidade.

Estarei a sonhar ou um Smart Brabus #1 — que é um SUV utilitário! — anuncia tanta potência como um Mercedes-AMG A 45? Vamos a outro exemplo. O Kia EV6 GT — que é um familiar 100% elétrico — é mais potente que o Porsche 911 GT3 RS mais radical de sempre. Como assim?!

Nada disto é um erro. É a nova realidade do mundo automóvel. A eficiência e o custo por cavalo dos motores elétricos não dão qualquer hipótese aos motores térmicos. É a democratização da potência. Falar em potências na ordem dos 200 cv já não impressiona ninguém.

Ainda sou do tempo em que o motor 1.9 TDI de 110 cv do Grupo Volkswagen era considerado um colosso de performance. Hoje dá vontade de rir, não é?

À luz dos tempos atuais, a potência dos pequenos e aclamados desportivos dos anos 90 — como o Citroën Saxo Cup ou o Peugeot 106 Rallye — parece uma anedota mal contada. Mas não é… aqueles modelos tinham graça. Alias, têm graça!

É por isso que, mais do que nunca, olhar para as fichas técnicas requer sensibilidade. Não podemos olhar apenas para a potência, temos de olhar também para o peso, para a arquitetura. Querem um exemplo prático?

O Tesla Model S Plaid anuncia mais de 1000 cv de potência. Cumpriu o Nürburgring Nordschleife em 7min35s. O Alfa Romeo Giulia Quadrifoglio tem metade da potência e foi três segundos mais rápido (7min32s).

Curioso, não é? A potência não é mesmo tudo. Recordo-me por exemplo do Chris Harris, no Autódromo Internacional do Algarve, ter dado uma valente tareia no BMW M3 com o Renault Mégane R.S. Trophy-R da geração anterior. Com menos uns 200 cv ao seu dispor — até me dei ao trabalho de ir procurar o vídeo.

É por isso que em 2023 vou continuar a sonhar com carros que não superam os 500 cv. E está tudo bem com isso. Alias, vou continuar a apreciar os encantos de modelos bem menos potentes.

Mazda MX-5 NB visto de um MX-5 NA com faróis escamoteáveis abertos

Continuarei a preferir ser surpreendido onde verdadeiramente importa: nas curvas daquela estrada especial. Todos temos uma estrada especial.

Potência máxima é mesmo muito 2022. E vocês, estão em que ano?