Clássicos Adamastor não é o primeiro. Carros portugueses nascidos para correr

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Adamastor não é o primeiro. Carros portugueses nascidos para correr

Antes do Adamastor Furia houve mais carros portugueses que ambicionavam e até vingaram nos circuitos (e não só). Recuperamos aqui a sua memória.

Adamastor Furia, frente 3/4
© Adamastor

Com a revelação do Adamastor Furia, o primeiro supercarro português, renasce o sonho e a ambição de voltarmos a ter um construtor e marca automóvel nacional.

Ao contrário de outros projetos de carros portugueses, com outros objetivos, como o UMM ou o pequeno Sado, a Adamastor aponta à estratosfera automóvel, com o objetivo maior de vingar nos circuitos, mas sem esquecer a homologação para estrada, precisamente a versão que já foi revelada.

Não é a primeira vez que assistimos na história do automóvel em Portugal à ambição de vários indivíduos em vingar nos circuitos com uma máquina nascida em Portugal.

Os carros portugueses que antecederam o Adamastor Furia, no entanto, foram concebidos há já muito tempo, numa época em que a fronteira entre carro de estrada e de pista era inexistente. Chegou a altura de recuperar a sua memória.

Felcom

A melhor forma de começar é mesmo pelo início, sendo o Felcom um dos primeiros automóveis concebido em Portugal, tendo sido revelado em 1933.

A sua história começa alguns anos antes, com um Ford Model A, matrícula N-8659 (um detalhe importante a reter). O seu dono, Manoel Menéres, deu mais uns «pozinhos» ao quatro cilindros original (3,3 l), importando dos EUA uma nova cabeça da Miller e os resultados impressionaram.

Felcom perfil
© Museu do Caramulo Felcom, este modelo encontra-se exposto no Museu do Caramulo.

A performance impressionou Manoel Menéres de tal forma, que emprestou o carro a Eduardo Ferreirinha — mecânico, piloto e empresário —, que tratou de o aligeirar e transformar ainda mais (incluindo chassis) para competir, tendo-o feito com sucesso.

Menéres e Ferreirinha, entusiasmados com os resultados, continuaram a modificar o carro, com a derradeira evolução a surgir em 1931, mas sem nome. Ficou conhecido como “Ponto de Interrogação”, precisamente o sinal de pontuação pintado nos dois lados da carroçaria.

Em 1933 o desenvolvimento parou, pois o carro já não era competitivo o suficiente. Foi vendido (entre outros componentes) a Eduardo Carvalho, outro piloto e mecânico. É provável que este negócio tenha também incluído um velho Turcat-Méry, que correu na década de 20.

Nesse mesmo ano, em maio, Eduardo Carvalho compareceu para a prova no Circuito do Campo Grande e com um carro a ostentar a matrícula N-8659, de seu nome Felcom.

O Felcom era uma amálgama de partes, mas o resultado final não podia ser mais harmonioso e coeso. A mecânica era a tal transformada do Ford Model A (motor e caixa), agora combinada com o chassis mais ligeiro do Turcat-Méry. Eduardo Carvalho finalizou o «casamento» com uma nova carroçaria, de desenho mais elegante e de aspeto aerodinâmico.

Infelizmente, as expectativas saíram goradas, com o Felcom a ter problemas mecânicos logo na primeira volta, só voltando à corrida meia hora depois. Aliás, nunca chegaria a terminar nenhuma das provas em que participou. Eduardo Carvalho acabou por abandonar este projeto e dedicar-se a outros.

Edfor Grand Sport

Eduardo Ferreirinha, no entanto, não ficou quieto. Depois de ter sido uma parte importante na história do primeiro automóvel português, volta em força com o Edfor (contração de Eduardo com Ford) em 1937.

Edfor
© Museu do Caramulo O Edfor Grand Sport exibia linhas elegantes e fluídas, a pensar na aerodinâmica.

Foi apresentado no Salão do Porto em abril desse ano, e parecia ser a resposta a um artigo lançado pela revista O Volante em 1930, onde era posta em causa a capacidade de Portugal produzir um veículo próprio.

O Edfor calou e impressionou os críticos. Este desportivo na forma de um elegante roadster de dois lugares era tecnologicamente avançado. Com um chassis em alumínio fundido, carroçaria em alumínio, molas helicoidais reguláveis a partir do interior, tambores em alumínio com alhetas — raros, na altura —, o Edfor não devia nada aos seus rivais.

A cereja no topo do bolo era o seu motor V8, de origem Ford, com 3620 cm3 e 90 cv. Mas este não estava no estado original. A EFI, empresa metalúrgica pertencente a Ferreirinha, deu ao V8 novos pistões, o que justifica os muito saudáveis 90 cv — de origem produzia entre 65 cv e 75 cv.

Foi também nesta altura que um jovem cineasta, de seu nome Manoel de Oliveira — certamente já deve ter ouvido falar —, fez uma pequena curta-metragem chamada “Já se Fabricam Automóveis em Portugal” sobre a história da criação do Edfor.

Manoel de Oliveira conheceu Eduardo Ferreirinha quando lhe comprou um dos seus carros de competição, o Ford Especial Menéres & Ferreirinha. Um carro que parece ter servido de laboratório a muitas das soluções que seriam vistas no Edfor.

Foram feitos vários Edfor, mas o início da Segunda Guerra Mundial deitou por terra as esperanças deste projeto. Tudo indica que ainda sobrevivem dois exemplares: um está com um colecionador alemão, enquanto o outro, de 1939 (o último a ser feito), está nas mãos da família Ferreirinha desde 1955.

DM

A DM — de Dionisio Mateu, nome do criador —, nasceu no início dos anos 50, mais precisamente em 1951. No entanto, apesar de ser uma marca portuguesa, Dionisio Mateu não era português, mas sim catalão. Porém, a sua casa era no Porto e quando criou a DM já vivia em Portugal há três décadas.

DM 1951, perfil
© Museu do Caramulo DM, este modelo encontra-se exposto no Museu do Caramulo.

A vontade de competir na categoria Sport, para carros entre 750 cm3 e 1100 cm3, foi o que esteve por detrás deste projeto e de todos os outros presentes nesta lista, que nasceram durante os anos 50.

Para tal, comprou um chassis e motor pertencentes a um Fiat 1100, dando-lhes uma nova e elegante carroçaria. O DM de quatro cilindros podia ter apenas 65 cv (quase o dobro do original), mas o carro pesava apenas 500 kg. A velocidade máxima era de 170 km/h.

Foram construídos dois carros e estrearam-se em competição a 11 de maio de 1951, tendo ambos vencido nas respetivas corridas. O sucesso levou Dionisio Mateu a construir um terceiro carro, distinguindo-se pela carroçaria fechada e mais apurada do ponto de vista aerodinâmico.

Foi até considerada a produção em série, ainda que em pequenos lotes de cada vez, mas, infelizmente, nunca chegou a acontecer. Em 1955 a DM fechava portas por dois motivos: um desentendimento com o fabricante de carroçarias da empresa e a mudança nos regulamentos que elevava a cilindrada da classe para os 1500 cm3, tornando o modelo pouco competitivo.

Alba

A Alba, sediada em Albergaria-a-Velha, antes de se dedicar aos automóveis nos anos 50, nasceu em 1921 como uma metalúrgica. António Augusto Martins Pereira era o filho do fundador e também um grande entusiasta automóvel.

Alba
© Museu do Caramulo Alba, este modelo encontra-se exposto no Museu do Caramulo.

O primeiro automóvel Alba nasce em 1952 e, tal como outras marcas nacionais na altura, como a DM, FAP e Olda, tinha como principal objetivo competir. E tal como estas, recorreu a um motor e transmissão de um Fiat 1100.

A cobrir o chassis e o motor — modificado, passando a debitar 70 cv —, estava uma elegante carroçaria em alumínio que permitia ao Alba atingir os 185 km/h. Seria feita uma segunda unidade, em 1953, com novos componentes, fabricados pela EFI, e novos pneus, da portuguesa Mabor.

O grande feito da Alba, no entanto, aconteceria em 1955, após se conhecerem as alterações aos regulamentos, com o limite da cilindrada a passar dos 1100 cm3 para os 1500 cm3. Ao contrário da DM, que acabou por fechar portas, a Alba arriscou na construção de mais um carro, mas com motor próprio, caso único em Portugal.

Com bloco e cabeça em alumínio, o quatro cilindros de 1490 cm3 tinha poucos componentes de origem estrangeira — êmbolos da Mahle, carburadores duplos da Solex e distribuidores de gasolina específicos da Bosch. Tinha duas válvulas por cilindro, mas também duas velas por cilindro, e fazia, pasme-se, 8000 rpm — um valor fantástico para a época…

Debitava 90 cv (+20 cv que o motor da Fiat) e permitia ao Alba — com apenas 500 kg e caixa de quatro velocidades — atingir os 200 km/h. Estreou-se em 1955 e saiu vitorioso na sua categoria, à frente de máquinas de construtores estabelecidos, como a Triumph e a Chevrolet.

Os três Alba construídos correram entre 1952 e 1961, participando em 42 provas que resultaram em 25 pódios e 10 vitórias.

MG Canelas

O MG Canelas foi outro carro português que ambicionava vingar na competição e na categoria Sport (até 1500 cm3) e teve como seu criador o engenheiro José Jorge Canelas, que o desenvolveu entre 1952 e 1954.

Apesar do nome, do MG TC que deu origem ao projeto, «apenas» aproveitou o motor, que foi ampliado para 1,5 l e 95 cv. A inovação do MG Canelas estava no seu chassis tubular, de concepção própria, construído em aço (em vez de alumínio).

© Museu do Caramulo MG Canelas, este modelo encontra-se exposto no Museu do Caramulo.

A elegante carroçaria, desenhada por António Andrade — será que influenciou o Ferrari Testa Rossa (1957)? —, era, no entanto, em alumínio. Estava ainda equipado com uma suspensão dianteira Porsche e uma suspensão traseira baseada no Austin 90.

Conheceu algum sucesso nos circuitos nacionais na segunda metade da década de 50, acompanhando o enorme crescimento do automobilismo português nesta década. No entanto, foi o único exemplar construído, e apesar de José Jorge Canelas ter planeado mais evoluções, estas nunca chegariam a concretizar-se.

Marlei

O Marlei, nome que combina as três primeiras letras dos nomes do seu criador, Mário Leite, teve como ponto de partida o mais improvável dos veículos: uma Opel Olympia Caravan. Sim, uma carrinha.

© Museu do Caramulo Marlei. Quem diria que houve uma carrinha Opel na base deste projeto?

Mário Leite era chefe dos mecânicos na Oficina António Sardinha, em Vila Nova de Gaia, que tinha ligações à General Motors.

Foi aí, no início dos anos 50, que deu entrada uma Opel Olympia Caravan num estado considerado irrecuperável. Mário Leite viu, no entanto, que tinha potencial para ser outra coisa: uma máquina para competir

Assim, em 1952, dá início ao projeto de fazer o seu próprio carro de corridas. Aproveitou tudo o que conseguiu da carrinha, desde partes da plataforma ao motor e transmissão (1488 cm3 e 48 cv, caixa manual de quatro velocidades), adicionando uma estrutura tubular.

Dada a ligação à GM, usou várias peças e componentes de vários modelos do grupo, e envolveu-os numa carroçaria leve em alumínio. O peso total do Marlei era de 580 kg.

Porém, após concluído, o processo de homologação do desportivo foi um pesadelo. Demorou demasiado tempo e custou imenso dinheiro. Só em 1955 o Marlei ficou pronto a competir.

Só que, nessa altura, a competitividade do carro já não era a melhor face a outras propostas mais recentes. Mesmo assim, na sua estreia, no IV Rali do Porto, conquistou o segundo lugar da sua classe.

Existem ainda mais carros portugueses nascidos para correr para descobrir e iremos acrescentá-los brevemente a este artigo. Espero que tenha apreciado.

Fonte: O Automóvel: design made in Portugal