Especial A «irmã» da Autoeuropa já tem o futuro garantido. E a fábrica de Palmela?

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A «irmã» da Autoeuropa já tem o futuro garantido. E a fábrica de Palmela?

No futuro de Martorell parecem existir apenas certezas. Mas na Autoeuropa, há dúvidas por esclarecer.

A Autoeuropa e a fábrica de Martorell, são duas das três fábricas do Grupo Volkswagen na Península Ibérica. E brevemente haverá uma quarta fábrica de baterias, cujas obras já arrancaram, e que poderia ter vindo para o nosso país.

Nasceram quase na mesma altura, receberam a mesma educação e são ambas filhas de um momento de expansão da União Europeia. Podiam ser irmãs gémeas separadas à nascença, mas nasceram a 1200 km quilómetros de distância e em anos diferentes.

Duas fábricas, duas realidades

A Autoeuropa nasceu em 1995, em Portugal, e tem singrado numa zona onde, se olharmos com atenção, ainda conseguimos ver as cicatrizes do desemprego e da desindustrialização dos anos 80 — cicatrizes que a Autoeuropa ajudou a sarar.

Martorell nasceu em Espanha, em 1993, precisamente no ano em que a Comunidade Económica Europeia (CEE) passou a chamar-se União Europeia (UE). Tem sotaque catalão e está no epicentro do «pujante» motor económico espanhol.

A bem das relações familiares, estas duas irmãs até já tentaram com sucesso encurtar distâncias com uma ligação ferroviária.

Mas ligações ferroviárias à parte, nos últimos meses o destino destas fábricas parece não convergir.

Enquanto Martorell celebra a entrada nos «trinta» cheia de planos para o futuro, o futuro da Autoeuropa a longo prazo ainda não é tão claro.

Autoeuropa
Em 1999 a Volkswagen adquiriu a totalidade da Autoeuropa, dando por terminada a joint-venture firmada com a Ford.

Importa recordar que volvidos quase 30 anos desde o momento em que saiu o primeiro automóvel da linha de produção da fábrica de Palmela, a Autoeuropa continua a ser o maior investimento estrangeiro alguma vez concretizado em Portugal: 450 milhões de contos na «moeda antiga» — cerca de 2250 milhões de euros.

Por isso vale a pena debruçar-nos sobre o que já sabemos sobre o futuro destas duas «irmãs».

Martorell rima com eletrificação

É em Martorell que vai arrancar, já em 2025, a produção dos 100% elétricos do Grupo Volkswagen com base na plataforma mais compacta do grupo, a MEB Entry. É a segunda vaga da produtos totalmente eletrificados do gigante alemão.

Estima-se que este projeto terá um impacto na economia espanhola de mais de 21 mil milhões de euros. O futuro de Martorell está garantido.

Vão sair de Martorell modelos para a Cupra, Skoda, Volkswagen e Audi. São estes modelos que vão ser responsáveis por mais um avanço na democratização da mobilidade elétrica no Grupo VW.

O objetivo desta segunda fase é oferecer elétricos com preços que se iniciam abaixo dos 25.000 euros, valores que numa terceira fase podem permitir modelos abaixo dos 20 mil euros.

SEAT_Martorell
@ SEAT S.A. Atualmente, trabalham cerca de 12.000 pessoas em Martorell. A fábrica tem uma superfície total de 2,8 milhões metros quadrados, o que equivale a 400 campos de futebol.

Este plano de eletrificação não se esgota em Martorell. Inclui a eletrificação da fábrica de Pamplona, a construção de uma nova fábrica de baterias em Sagunto (Valência) e a criação de um ecossistema completo de fornecedores.

Como já vimos anteriormente, neste «mega projeto» de eletrificação, a Autoeuropa parece estar à margem dos acontecimentos. Mas poderá não ser bem assim.

Autoeuropa rima com presente

Se o futuro é elétrico, o presente ainda é a combustão. Basta olharmos para os dados das vendas de automóveis na Europa.

Nos primeiros meses deste ano, os 100% elétricos representaram apenas 12% do total de vendas.

É verdade que as vendas continuam a aumentar, mas ainda estamos a uma grande distância de ter um mercado automóvel totalmente elétrico na Europa. Recordamos que os planos europeus passam pela eletrificação total até 2035.

Volkswagen Autoeuropa
Imagem noturna da Autoeuropa.

Por isso, neste presente que ainda é a combustão, a Volkswagen deu à Autoeuropa a melhor prenda possível: o Volkswagen T-Roc, o modelo mais vendido da marca alemã no «velho continente».

É graças ao T-Roc que hoje a Autoeuropa está a trabalhar na máxima força.

Em 2018 a Volkswagen Autoeuropa passou a trabalhar em regime de laboração contínua, utilizando pela primeira vez na sua história a totalidade da capacidade instalada.

Volkswagen T-Roc unidade n.º 3500000 à saída da linha de produção com equipa Autoeuropa
© Volkswagen O Volkswagen T-Roc unidade n.º 3 500 000 à saída da linha de produção, acompanhado pela equipa da Autoeuropa.

A fábrica opera nos quatro níveis do processo de produção automóvel (Prensas, Carroçarias, Pintura e Montagem) e da sua linha de montagem saem diariamente 890 carros com destino ao mercado europeu e asiático.

Atualmente, estes são os números que traduzem a importância da Autoeuropa para o nosso país:

202220212020
Volume de produção (unidades)231 100210 754192 000
Volume de vendas (mil milhões €)3,6743,1122,833
Impacto nas exportações nacionais (%)1454,7
Impacto no PIB (%)1,51,51,4
Colaboradores489051245282

Mas enquanto em Martorell já se fala do futuro no longo prazo, em Palmela o futuro ainda tem um «sabor» muito forte a presente.

Exceptuando o anúncio do investimento de 500 milhões de euros até 2025, pouco mais sabemos sobre o futuro da Autoeuropa.

Um futuro que passará, muito provavelmente, pela produção da segunda geração do Volkswagen T-Roc até 2030. Um modelo que continuará a surgir associado a motores de combustão, ainda que venha a permitir versões híbridas plug-in. A acontecer, será a primeira vez que a Autoeuropa produzirá um modelo eletrificado.

O futuro é elétrico. Até para a Autoeuropa

Para o gigante alemão o futuro é 100% elétrico. A Volkswagen já o anunciou e a Autoeuropa está ciente deste cenário:

As fontes de receita mudarão gradualmente até 2030: de modelos convencionais de motores de combustão para carros elétricos com emissão zero(…).

Website da Autoeuropa

Se no futuro todos os modelos do Grupo Volkswagen vão ser elétricos, então não resta outra hipótese à Autoeuropa: a eletrificação total é obrigatória. Caso contrário a Autoeuropa não tem futuro. E ninguém é capaz de imaginar Portugal sem a Autoeuropa, nem a própria Volkswagen.

Hoje estamos aqui a assinalar os 30 anos da Autoeuropa e queremos que hajam outros trinta.

Thomas Hegel Günther, diretor-geral da Autoeuropa

Estas palavras foram proferidas há pouco mais de um ano, durante a cerimónia que assinalou os 30 anos desde o lançamento da primeira pedra da Autoeuropa. Um momento onde a marca alemã fez questão de reforçar a importância da unidade de produção portuguesa.

Thomas Hegel Gunther
© Autoeuropa Thomas Hegel Gunther, diretor da Autoeuropa.

Um evento que contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, do Primeiro-Ministro, António Costa e de membros da administração da Volkswagen.

Por tudo isto, não resta outra hipótese que não um reforço no compromisso com a Autoeuropa, e da Autoeuropa com o país. O anúncio não é urgente, mas nos «corredores do poder» é importante que este caminho já esteja a ser trilhado.

Volkswagen Autoeuropa
© Razão Automóvel António Costa, primeiro-ministro de Portugal, a discursar na Autoeuropa.

A forma como Espanha utilizou o programa PRTR (Plan de Recuperación, Transformación y Resiliencia) — o equivalente ao programa PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) português — para relançar a eletrificação no país e reforçar a sua posição no setor automóvel é um indício.

Podemos e devemos aprender com o exemplo espanhol e com Martorell. Afinal de contas, é também para isso que servem os irmãos mais velhos.