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À prova de tudo. Quando o Mercedes-Benz 190 fez 50 000 km a quase 250 km/h

O Mercedes-Benz 190 é impressionante a vários níveis e este recorde batido em agosto de 1983 é a derradeira prova disso.

Mercedes-Benz 190
© Mercedes-Benz

O Mercedes-Benz 190 (W 201) marcou uma época e conquistou, com mérito, um lugar muito especial na história do automóvel. Podia dizer-vos que foi fruto da sua durabilidade, design ou inovação, mas o Guilherme Costa tem uma descrição muito melhor:

Gosto de pensar que ele é o resultado de um cruzamento muito bem sucedido entre um sofá de sala vulgar, um carro, um tanque de guerra e um relógio suíço.

Brincadeiras à parte, o Mercedes-Benz 190 pode ser visto como uma espécie de canivete suíço (desculpem a dupla comparação com produtos helvéticos): era usado como carro de família, como táxi e até chegou a ser utilizado na competição. Ayrton Senna fez-se notar quando ganhou uma corrida aos comandos de um 190.

Percorrendo a sua lista de qualidades, que é longa, acabamos invariavelmente por ter que voltar a falar de robustez e da fiabilidade.

Basta dizer que apesar de ser (na época) o Mercedes-Benz mais barato de todos, mantinha os padrões de qualidade do construtor alemão. Ao mesmo tempo, afirmava-se também no departamento tecnológico: foi, por exemplo, o primeiro modelo da marca a usar suspensão multilink no eixo traseiro.

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo
© Mercedes-Benz A foto do momento do recorde.

Para provar precisamente a robustez do (na altura) controverso “baby-Benz”, a Mercedes-Benz não foi de modas e colocou a fasquia bem no alto: bater o recorde mundial do carro mais rápido a percorrer 50 000 km .

Afinal, um recorde fica sempre bem numa qualquer campanha de marketing.

50 000 km em 201 horas

Para conseguir bater o recorde, parte da equipa técnica da Mercedes-Benz deslocou-se até ao anel de Nardo, em Itália, perto da província de Lecce (hoje é propriedade da Porsche). Corria o mês de agosto de 1983… e temperaturas que chegaram aos 40º C.

Como devem imaginar, não foram os 190 D da «praça» os escolhidos para bater este recorde.

A Mercedes-Benz apostou naquele que seria o futuro topo de gama, o 190 E 2.3-16. Futuro, porque só iria ser apresentado ao público algumas semanas depois no Salão Automóvel de Frankfurt, na Alemanha.

A 21 de agosto o recorde absoluto dos 50 000 km foi batido pelo Mercedes-Benz 190 E 2.3-16: precisou de 201 horas, 39 minutos e 43 segundos (oito dias e uns trocos), traduzindo-se numa média de 247,939 km/h.

Repararam nas 201 horas? Até custa a acreditar que tenha sido uma mera coincidência que o número de horas coincidisse com o código da geração do modelo W 201. Eu acho que foi um caso de pura precisão germânica. Pelo menos quero acreditar nisso.

Como se construiu este recorde?

A construtora de Estugarda apresentou-se com uma armada de três carros na pista de Nardo e regressou a casa não com um, mas sim com três recordes mundiais (25 000 km, 25 000 milhas e 50 000 km) e com nove máximos internacionais na classe acima dos dois litros.

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Um dos 190, identificado com uma marca vermelha (é possível ver de perfil e nos faróis dianteiros), estava preparado para surgir junto do público como o novo recordista mundial. Um outro 190, com uma marca branca, também cumpriu os 50 000 km, ainda que com 1 km/h a menos de média.

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo
© Mercedes-Benz Ao volante estiveram seis pilotos por cada equipa/carro, quase todos engenheiros e técnicos da Mercedes-Benz, que iam fazendo turnos de condução de duas horas e meia.

Depois, o terceiro 190, com uma marca verde, precisamente aquele que estava mais próximo da versão final de produção — indicamos mais abaixo as modificações efetuadas nestes 190 —, foi o único a sofrer um problema. A pouco mais de 1000 km do fim foi obrigado a parar durante algum tempo com problemas na ignição, o que fez com que a média final fosse de «apenas» 242 km/h.

Paragens máximas de cinco minutos

Para além dos reabastecimentos, que duravam entre 18s a 28s, os três carros faziam paragens de cinco minutos a cada 8500 km, para que os pneus traseiros e o filtro de óleo fossem substituídos e para que pudesse ser feito um controlo das válvulas.

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo
© Mercedes-Benz Os pneus dianteiros eram mudados ao fim de 17 000 km, ou seja, a cada segunda paragem de cinco minutos.

Contudo, uma das condições impostas para a legalidade dos recordes, era que qualquer avaria só podia ser reparada com o material existente no interior do carro. Mas, por outro lado, a carga transportada não podia ser mais do que 5% superior ao peso total.

Assim, cada exemplar levava, no banco traseiro, uma cabeça de motor completa, um alternador, um disco de embraiagem e dois vidros de farol, bem como os aparelhos técnicos usados para registar todos os dados desta «aventura».

Mercedes-Benz 190 e uma velocidade média de quase 250 km/h

Os três carros que se apresentaram no circuito italiano de Nardo, para sucederem neste exigente desafio, não estavam totalmente «de série». São permitidas algumas alterações, sem que seja colocada a validade do recorde mundial, mas no motor não.

O motor destes Mercedes-Benz 190 E 2.3-16, um bloco naturalmente aspirado de 2,3 l de capacidade, quatro cilindros e 16 válvulas que entregava 185 cv e 235 Nm, era exatamente o mesmo do modelo que ia ser lançado dali a umas semanas.

Esta unidade destacava-se pela cabeça de quatro válvulas por cilindro — uma solução incomum na altura —, desenvolvida pela Cosworth (inspirada na do DFV de Fórmula 1).

A transmissão era efetuada às rodas traseiras através de uma caixa manual (da Getrag) de cinco velocidades, que permitia ao 190 E 2.3-16 acelerar até aos 230 km/h… Espera… 230 km/h!? A velocidade média do recorde foi de praticamente 248 km/h. Onde foram buscar os quilómetros por hora adicionais?

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo 6
© Mercedes-Benz Pit stop a lá F1: os reabastecimentos duravam entre 18s a 28s.

Como referi mais atrás, eram permitidas algumas alterações. O motor não podia ser mexido (mantinha os 185 cv de série), mas os engenheiros da marca de Estugarda conseguiram elevar a velocidade máxima mudando a relação do diferencial por outra mais alta (2,65:1).

A somar a isso ainda fizeram algumas modificações do ponto de vista aerodinâmico: o spoiler dianteiro foi prolongado em 20 mm e a altura ao solo foi reduzida em 15 mm. Também o radiador perdeu a ventoinha (desnecessária às velocidades praticadas) e podia ser parcialmente tapado pelo condutor a partir do interior.

Isto resultou num «salto» da velocidade máxima dos 230 km/h até aos 265 km/h… com apenas 185 cv!

Consumos de 22 l/100 km

Uma das razões para que a Mercedes-Benz tenha optado pela introdução da tecnologia de 16 válvulas e evitado a introdução de um turbocompressor foram os consumos.

Quem o dizia era o Professor Breitschwerdt, responsável pelos estudos e desenvolvimento de projetos da Daimler-Benz, que afirmava: “com um turbo o consumo seria mais elevado”, como se pode ler no comunicado de imprensa da época.

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Recorde-se que a Mercedes-Benz reclamava consumos entre os 7 l/100 km a uma velocidade de 90 km/h e os 12,5 l/100 km em ciclo urbano para o 190 E 2.3-16. Durante este recorde, o consumo médio final foi bem maior: 22 l/100 km.

Pode parecer um número gigantesco, mas se pensarmos que foram 50 000 km a uma média de quase 250 km/h, percebemos que na verdade foi um consumo muito interessante.

Mercedes-Benz 190 recorde Nardo
© Mercedes-Benz Para reduzir o número de paragens de reabastecimento foi instalado um segundo depósito de combustível na mala, elevando para 160 litros a quantidade de gasolina que podia transportar.

Três recordes mundiais e uma «arma» contra a BMW

Além de estabelecer três novos recordes mundiais e nove recordes internacionais, esta «aventura» em Nardo permitiu ao construtor alemão tirar todas as dúvidas que pudesse ter acerca do Mercedes-Benz 190 E 2.3-16.

A Mercedes-Benz percebeu que esta era mesmo a sua melhor «arma» para atacar a hegemonia da BMW nesta categoria de modelos, com o seu Série 3.

Para terminar, em jeito de homenagem, esta é a desculpa perfeita para recuperar o «nosso» 190. Vejam o vídeo:

https://youtu.be/Sox4jzNF0pY