Clássicos A história de Horacio Pagani e o gigantesco «melão» da Lamborghini

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A história de Horacio Pagani e o gigantesco «melão» da Lamborghini

Horacio Pagani não tinha dinheiro, mas tinha a paixão, o talento e força de vontade do seu lado. Um homem que viu o futuro antes de toda a gente e acreditou nele, mesmo quando toda a gente lhe dizia que estava errado. Uma história que vale a pena ler até ao final. Mas eu sou suspeito...

“Contratem este jovem. Assinado: Juan Manuel Fangio”. Foi com uma carta de recomendação mais ou menos assim, assinada por uma lenda da Fórmula 1, e uma bagagem cheia de vontade, que um jovem argentino, de seu nome Horacio Pagani, rumou a Itália para concretizar um sonho: trabalhar numa grande marca de automóveis.

Como bem sabemos, Horacio Pagani conseguiu isso e muito mais. Com uma carreira intimamente ligada à Lamborghini, Horacio Pagani não só trabalhou numa grande marca como fundou uma marca com o seu próprio nome: a Pagani Automobili S.p.A.

Hoje a Pagani é uma verdadeira montra de sonhos. Uma montra que a Razão Automóvel, através do seu canal de YouTube, não podia deixar de visitar no Salão de Genebra 2018.

Mas este artigo não é sobre o fantástico Pagani Huayra Roadster, é sobre a história de Horacio Pagani.

Uma história que começou na pequena cidade de Casilda (Argentina), e que continua até aos dias de hoje na bela cidade de Modena (Itália). E como em qualquer boa história, não faltam momentos fantásticos para contar num artigo longo, mesmo muito longo. Portanto… Metam as pipocas no microondas rapazes!

Obs: “Metam as pipocas no microondas”, esta é para ti Bruno Costa (um dos leitores da RA mais atentos no Facebook)!

Como tudo começou

Horacio Pagani, nasceu a 10 de novembro de 1955, na Argentina. Ao contrário dos grandes nomes da indústria automóvel como Enzo Ferrari, Armand Peugeot, Ferrucio Lamborghini ou Karl Benz — a lista podia continuar mas o artigo já vai demasiado extenso — as origens de Horacio Pagani são humildes.

Pagani era filho de um padeiro argentino, e desde tenra idade que revelava um gosto especial pelos automóveis.

Horacio Pagani
Horacio Pagani.

Ao contrário da maioria das crianças, que imagino que dividissem o seu tempo entre jogos de futebol e outras atividades — como tocar às campainhas, atirar pedras aos rivais da turma do 6ºC e outras tropelias do género… quem nunca, quem nunca! Horacio Pagani passava «horas a fio» no estúdio de Tito Ispani, onde se fabricavam e moldavam aviões e navios à escala.

Foi nesse estúdio que Horacio Pagani começou a dar os primeiros passos na arte da manipulação dos materiais, e a dar forma material àquilo que estava no seu imaginário. Uma obsessão que como bem sabemos dura até aos dias de hoje.

Ainda não tinha completado 10 anos de idade, e o pequeno Horacio Pagani já dizia que o seu sonho era ter os seus automóveis expostos nos salões internacionais.

Até consigo imaginar os seus colegas de escola, com os joelhos todos esfolados e testas suadas, a olhar para ele e a pensar: “este moço não bate bem… ‘bora dar-lhe um enxerto de porrada malta”. Bora! É claro que isto não deve ter acontecido.

Mas mesmo que tenha acontecido, não foi isso que impediu o jovem Pagani de perseguir o seu sonho e continuar a aperfeiçoar a sua técnica através das miniaturas. Miniaturas que essas que foram verdadeiras antecâmaras daquilo que estava para vir.

Horacio Pagani
As primeiras criações de Horacio Pagani.

Horacio Pagani também era um grande admirador de Leonardo da Vinci — outra admiração que lhe deve ter valido algumas nódoas negras nos intervalos da escola. Mas deixando o bullying de lado e regressando à factualidade da nossa história, a verdade é que Horacio Pagani partilhava com este génio do renascimento a crença de que a “arte e ciência podem andar de mãos dadas”.

Olhando às companhias e intelecto de Horacio Pagani, não é de estranhar que em 1970, com apenas 15 anos, Pagani tenha começado a aumentar a complexidade dos seus projetos.

Horacio Pagani
O primeiro projeto, à escala real, foram duas motorizadas construídas de raíz (com excepção do motor) com ajuda de um amigo de infância.

O projeto inicial passava por um kart, mas perante a escassez de recursos optaram por construir duas motas, assim nenhum ficava «a pé». Apenas dois anos depois, em 1972, nascia o primeiro automóvel com a assinatura de Horacio Pagani: um buggy em fibra de vidro construído com base num Renault Dauphine.

Pagani Huayra.
O avô do Pagani Huayra e o primeiro automóvel de Pagani.

Horacio Pagani queria mais

Foi num ápice que a fama de habilidoso se espalhou pela cidade de Casilda, Argentina. Começaram então a chover encomendas de carroçarias e caixa de carga para veículos comerciais na casa de Horacio Pagani. Mas para o jovem Pagani, ser habilidoso não era suficiente. Alias, estava longe de ser suficiente!

Vê a galeria:

Horacio Pagani queria ser mais do que um mero habilidoso, queria dominar os materiais e a técnica. E foi por isso que se inscreveu num curso de desenho industrial na Universidad Nacional de La Plata, em Buenos Aires. Terminou o curso em 1974 e no ano seguinte voltou a inscrever-se noutro curso, na Universidad Nacional de Rosario, para licenciar-se em engenharia mecânica.

A NÃO PERDER: À descoberta das novas instalações da Pagani em Modena

Agarrar a oportunidade

Ainda não tinha terminado o curso de engenharia mecânica quando, em 1978, Pagani recebeu o primeiro convite «à seria». Um convite endereçado por Oreste Berta, diretor técnico da Fórmula 2 argentina, para ajudar a projetar e construir um monolugar Renault. Pagani tinha apenas 23 anos.

O jovem Pagani tinha no entanto um pequeno entrave… nunca tinha visto um carro de Fórmula 2 na vida! Nem tão pouco trabalhado num projeto daquela dimensão…

Horacio Pagani
O Fórmula 2 de Horacio Pagani impressionou tudo e todos pelas soluções em campos como a aerodinâmica.

É nestes ocasiões que se distinguem os homens comuns de génios como Horacio Pagani. O argentino conseguiu desenvolver um monolugar de raíz, apenas com recurso a manuais técnicos, às indicações de Oreste Berta e a alguns monolugares que teve acesso.

Reza a lenda que mais de 70% dos componentes da monocoque foram feitos à mão pelo próprio Horacio Pagani.

Foi então que se deu o momento «chave» na carreira de Horacio Pagani. Oreste Berta era amigo de um tal de… Juan Manuel Fangio, penta-campeão do mundo de Fórmula 1! Consta que Fangio ficou tão impressionado com o talento de Horacio, que nasceu logo ali uma amizade para a vida. Os génios entendem-se…

A grande mudança

Por esta altura, a Argentina já era demasiado pequena para o talento e ambição de Horacio Pagani. Daí que em 1982, Horacio tenha decidido vir para a Europa, mais concretamente para Itália, nação dos supercarros.

Na bagagem trazia uma poderosa arma. Nada mais, nada menos, do que cinco cartas de recomendação assinadas por Juan Manuel Fangio, dirigidas aos mais importantes homens da indústria automóvel italiana.

Entre eles, o próprio Enzo Ferrari, fundador da marca do «cavalinho rampante» e Giulio Alfieri, um dos mais proeminentes engenheiros da indústria automóvel italiana (com longo historial na Maserati e Lamborghini).

Enzo Ferrari nem quis saber de Horacio Pagani, mas a Lamborghini disse: contratado!

Em 1984, Horacio Pagani já liderava o projeto Lamborghini Countach Evoluzione, o primeiro supercarro da história com painéis em fibra de carbono. Face ao modelo de produção, o Countach Evoluzione pesava menos 500 kg e demorava menos 0,4 segundos dos 0-100 km/h.

Horacio Pagani
Parecia uma versão «tuning» do Countach original. O futuro passava por aqui…

Horacio Pagani tinha conseguido em apenas seis anos mais do que muitos engenheiros tinham conseguido durante toda a carreira. Mas não ficou por aqui…

Horacio Pagani. Um génio incompreendido

O grande problema dos génios? É que por vezes estão demasiado à frente no tempo. E o Countach Evoluzione, com toda a sua fibra de carbono, estava demasiado avançado no tempo — pelo menos para a Lamborghini. Um avanço que representou o princípio e o «início do fim» da carreira de Pagani na Lamborghini. Já vamos perceber porquê…

Horacio Pagani Lamborghini
Na Lamborghini, Pagani ainda trabalhou noutro modelo muito importante: o Countach 25th Anniversary, lançado em 1988 para comemorar um 1/4 de século da marca.

Apesar do sucesso do projeto Countach Evoluzione, a administração da Lamborghini não deu grande crédito ao recurso à fibra de carbono. Pagani acreditava que aquele era o material que ia moldar o futuro dos supercarros e a Lamborghini… bem, a Lamborghini não acreditava.

Se a Ferrari não usa fibra de carbono. Porque razão devemos nós usar?

Agora que sabemos a resposta, este argumento é de chorar a rir. Mas Horacio Pagani não riu. A crença de Horacio Pagani nas potencialidades da fibra de carbono era tão grande que perante a «nega» da administração da Lamborghini decidiu, por sua própria conta e risco, ir ao banco, pedir um crédito e comprar uma autoclave — um forno de alta pressão que serve para curar a fibra de carbono e finalizar o processo que torna este material tão leve e resistente.

Sem esta autoclave, Horacio Pagani nunca teria conseguido construir o Countach Evoluzione para a Lamborghini.

O «melão» da Lamborghini

A Lamborghini estava errada. E só tiveram de aguardar até 1987 para perceber o quão errados estavam. Ano em que a Ferrari apresentou o F40. Um supercarro construído com recurso a… fibra de carbono! Para muitos, o derradeiro supercarro da história.

Nem quero imaginar o «melão» da administração da Lamborghini quando viram o Ferrari F40…

Ferrari F40
Carbono, carbono por todo o lado…

E quão diferente podia ter sido a história se a Lamborghini tivesse apostado nesta solução antes da Ferrari. Na verdade, nunca saberemos…

Depois desta «chapada de luva branca», naturalmente que o sucessor do Countach já recorria à fibra de carbono — aprenderam com os erros.

Em 1990 era apresentado o Lamborghini Diablo e pouco tempo depois, Horacio Pagani abandonava definitivamente a marca italiana. Consigo, levou a autoclave que outrora a Lamborghini achou que era um desperdício de dinheiro.

Carbono… claro.

Sem a autoclave de Horacio Pagani, a Lamborghini teve comprar outra para continuar a fabricar componentes em carbono. No comments…

O nascimento de uma nova marca

Há já muito tempo que Horacio Pagani era conhecido na indústria automóvel como um génio na manipulação dos materiais. Com este crédito estatutário, em 1991 mudou-se para Modena e abriu a sua própria empresa de desenvolvimento e produção de materiais compósitos, a Modena Design.

Pouco tempo depois, a Modena Design já não tinha mãos a medir para tantas encomendas de componentes em carbono.

Esta procura deu a Horacio Pagani o músculo financeiro e a confiança para dar o derradeiro passo: fundar a sua própria marca de automóveis. Nascia assim a Pagani Automobili S.p.A em 1992.

Fangio novamente. Fangio sempre!

O desenvolvimento do primeiro Pagani demorou sete anos e, mais uma vez, Juan Manuel Fangio foi essencial para o sucesso de Horacio Pagani. Foi Juan Manuel Fangio que convenceu o «filho do padeiro» a optar pelos motores Mercedes-Benz e que convenceu a marca alemã a alinhar nesta aventura mirabolante.

Em 1999 era apresentado no Salão de Genebra o Zonda C12, um superdesportivo que era uma verdadeira ode à engenharia de ponta, ao design e à fibra de carbono.

Pagani
Horacio Pagani junto ao seu primeiro modelo. Cumpriu assim o seu sonho de criança!

Na primeira geração o Pagani Zonda debitava 394 cv a partir de um motor 6.0 litros V12 atmosférico desenvolvido pela Mercedes-Benz. O suficiente para cumprir os 0-100 km/h em apenas 4,2 segundos. No total, apenas cinco exemplares do Zonda C12 foram fabricados.

Graças às evoluções constantes ao modelo — dos quais foram fabricadas menos de 150 unidades em diferentes versões — o Zonda manteve-se no ativo até 2011, altura em que foi lançada a sua derradeira evolução: o Zonda R. Um modelo desenvolvido exclusivamente para circuito (não para corridas…), equipado com o mesmo V12 de seis litros de 750 cv que encontrávamos no Mercedes-Benz CLK GTR.

O Zonda R bateu todos os recordes que havia para bater, em Nürburgring inclusivamente.

A história continua…

Hoje, a derradeira expressão da Pagani é o Huayra. Um modelo que eu faço questão de tocar e apreciar durante longos minutos (às vezes mais…), em todas as edições do Salão de Genebra. Há cinco anos que é assim.

Esqueço os artigos que tenho para escrever, as entrevistas que tenho marcadas, as fotografias que tenho de tirar e fico ali… só a olhar para ele.

O meu objetivo? Contar no YouTube as histórias que encontras aqui. O caminho ainda é longo… primeiro tenho de habituar-me ao raio da câmara.

Não tenho palavras para descrever o que sinto ao contemplar a mais recente «obra prima» de Horacio Pagani.

A primeira vez que vi o Huayra escrevi este artigo, que entretanto já acusa a passagem do tempo — a formatação está uma desgraça, eu sei. Não se esqueçam que já tem 5 anos e nós mudámos de site!

Quanto à autoclave que Horacio Pagani trouxe da Lamborghini… ainda hoje está ao serviço da Pagani! Horacio Pagani não tinha dinheiro, mas tinha a paixão, o talento e força de vontade do seu lado. O resultado está à vista.

Horacio Pagani
A primeira autoclave de Horacio Pagani ainda “trabalha”.

Sem querer medir forças com brilhantismo e a genialidade de Horacio Pagani, a história da Razão Automóvel também tem sido escrita com recurso aos mesmos ingredientes: paixão, algum talento e muita força de vontade.

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