Clássicos Porsche Carrera GT: o último dos analógicos

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Porsche Carrera GT: o último dos analógicos

Na atmosfera rarefeita dos superdesportivos da marca alemã, o Porsche Carrera GT, tal como o 959, seu antecessor "espiritual", resulta de uma feliz consequência da mudança de regulamentos em competição.

Porsche Carrera GT

O predecessor do Porsche Carrera GT, o Porsche 959, nasceu para ser um Grupo B nos anos 80, mas os infelizes acontecimentos que levaram à extinção destes monstros, ditaram-lhe um novo destino. Equiparam-no com piscas, luzes, forraram o interior, meteram-lhe uma chapa de matricula et voilá.

O Porsche 959 tornou-se num compêndio de tecnologia e força legalmente apto para andar na via pública, assumindo-se como o pináculo da Porsche, e um cartão de visita do que seria o futuro não só da Porsche, mas o paradigma da essência dos desportivos na viragem do século.

O Porsche Carrera GT, igualmente, tem a sua génese na competição, especificamente para Le Mans, com o desenvolvimento de um protótipo que deveria continuar o sucesso alcançado com o 911 GT1. Mas mais uma vez, alterações aos regulamentos para a época de 1999 ditariam o fim do projeto. Perdeu Le Mans, mas ganhámos nós.

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O fim de uma era

Arriscaria dizer que o Carrera GT tornar-se-ia símbolo do fim de uma era. Ao contrário do 959, que nos indicava o próximo passo, o Carrera GT é como o último sopro dos superdesportivos de eras passadas.

A chegada do 918 (NDR: à data original da publicação deste artigo) inicia um novo capítulo nesta história, onde a fusão da eletricidade com a mecânica está a originar uma geração de superdesportivos fundamentalmente distinta das dos seus predecessores. Um mundo bem mais complexo e digital. Um mundo onde a interacção homem-máquina parece ser perturbada e afectada por novas camadas de filtros, prejudicando a comunicação.

o Carrera GT é a perfeita antítese do paradigma actual, onde a simplicidade e execução da sua receita acaba por ser o factor decisivo na sua admiração

O Porsche Carrera GT é deliciosamente puro, uma máquina analógica num mundo crescente de bits e bytes. A tecnologia é mais que software e, como tal, não deixava de ser de alto nível, servindo, como o 959, de laboratório rolante, mas associada sobretudo a construção e materiais. Fibra de carbono para a estrutura e carroçaria, alumínio para o chassis, uma inédita embraiagem em compósito à base de cerâmica e discos de travão também eles num compósito à base de carbono.

Porsche Carrera GT

O carro em si era uma receita mais que testada e ainda hoje em dia, tão eficaz e atrativa como na altura que foi criada. Motor colocado em posição longitudinal central traseira, acoplado a uma transmissão manual, de seis velocidades, e tração apenas às rodas traseiras— simples e eficaz.

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Nas costas do condutor situava-se um explosivo coração com 10 cilindros dispostos em V — derivado do tal projeto para Le Mans —, em que, para esta sua aplicação de estrada, cresceu dos 5500 para os 5700 centímetros cúbicos, produzindo 612 cv a umas estridentes 8000 rpm.

Os testes da altura revelaram uma agilidade imensa, mas com ela, também algum nervosismo nos limites, a exigirem do piloto reflexos rápidos

O exotismo dos materiais e soluções permitia uns comedidos 1380 kg, como consequência, as performances eram do tipo… avassalador. Apenas 3.6s dos 0 aos 100, e em menos de 10s a agulha do velocímetro já passava pela marca dos 200 km/h, e só pararia aos 330km/h. Mesmo hoje em dia, capaz de nos tirar o fôlego e colar as costas ao banco.

Porsche Carrera GT

Exigente

O aspeto analógico da sua concepção tornava o processo de extrair o máximo desta besta mecânica uma tarefa ao alcance de poucos. Os testes da altura revelaram uma agilidade imensa, mas com ela, também algum nervosismo nos limites, a exigirem do piloto reflexos rápidos.

A compacta embraiagem de cerâmica também teve os seus detractores, dado a dificuldade de modulá-la, sendo comparada mais a um interruptor on/off, apesar de, como tudo, ser uma questão de aprendizagem e abordagem. Inquestionável era a sua durabilidade, capaz de suportar os esforços pedidos sem suplício.

Porsche Carrera GT

O motor, por outro lado, era unânime nos elogios. Um som de arrepiar todos os pêlos na nuca (vídeo no final), com uma facilidade gritante em galgar rotações e um à vontade devastador em manter-se em rotações estratosféricas.

Dinamicamente era um portento. Nos limites era algo nervoso, mas esses limites eram bastante elevados. Acelerações laterais até 1 G, talvez os melhores travões da indústria, definitivamente uma das melhores direções assistidas, com enorme precisão e feel, e boa visibilidade tornavam o Carrera GT na máquina indicada para uma serpenteante estrada, ou para o mais exigente dos circuitos.

Porsche Carrera GT

Borracha nova

Apresentado na versão de produção em 2003 (um concept precedeu-o no ano 2000), foi produzido em cerca de 1270 unidades até 2006. Apesar dos 10 anos passados após o seu lançamento (NDR: à data original da publicação deste artigo), a Porsche não se esqueceu do Carrera GT.

Este ano (2016), em colaboração com a Michelin, desenvolveram um novo conjunto de pneumáticos específicos para o super desportivohá que mantê-los a rodar. Ainda é cedo para se tornarem peças de museu e excessivamente protegidos por colecionadores.

A revelar a importância dos pneus na dinâmica de qualquer carro, este novo conjunto permitiu limar os aspetos dinâmicos mais delicados do Carrera GT, tornando-o bastante mais progressivo nas reacções quando se procura os limites.

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O sucessor

O recém apresentado 918 Spyder é um animal distinto do Carrera GT, com os dois em campos filosoficamente opostos. De alguma forma, é perceptível a evolução da linhagem, nem que seja apenas no que os olhos vêem. Ambos respeitam a mesma arquitetura, pelo que as proporções são semelhantes e as premissas visuais que levaram ao Carrera GT evoluíram no 918.

Porsche Carrera GT com Walter Rohrl ao volante
Walter Rohrl ao volante

Se olharemos para o 918 com a mesma reverência que olhamos para o Carrera GT só o futuro o dirá. Mas num mundo de híbridos de alta performance, caixas de dupla embraiagem, tração e direcção às quatro rodas, o Carrera GT é a perfeita antítese do paradigma atual, onde a simplicidade e execução da sua receita acaba por ser o fator decisivo na sua admiração.