Opinião Agravamento fiscal. Hoje os híbridos, amanhã os elétricos?

Editorial

Agravamento fiscal. Hoje os híbridos, amanhã os elétricos?

O fim abrupto dos incentivos aos carros híbridos e híbridos plug-in deve ser encarado como presságio do que pode acontecer aos carros elétricos já em 2022.

A par de outras ameaças, a imprevisibilidade fiscal é um dos principais problemas da economia portuguesa. Torna-se impossível tomar decisões ou planear investimentos. O recente episódio do fim abrupto dos incentivos fiscais aos veículos híbridos é a prova disso mesmo.

Todo o setor foi apanhado de surpresa. Principalmente a ACAP que, ano após ano, tem demonstrado uma capacidade reivindicativa muito limitada face à dimensão do setor que representa — o setor automóvel em Portugal é responsável por 21% da receita fiscal e por mais de 150 mil postos de trabalho.

Numa altura em que o contexto externo é de enorme incerteza e exigência — à situação pandémica mundial devemos somar as exigentes normas ambientais — seria expectável que, pelo menos, a nível nacional, gerar confiança nos agentes económicos, proporcionando-lhes um enquadramento legislativo e fiscal previsível num horizonte plurianual, fosse uma preocupação no topo da agenda política.

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Infelizmente, como se tem vindo a assistir, não é assim. E numa equação onde é o país que sai a perder, pouco importa se foi o poder político que não escutou, ou se foi o setor automóvel que não se fez ouvir. Ou talvez as duas possibilidades.

Temos 2021 para preparar 2022 (e não só)

Em 2020 nada fazia adivinhar o fim dos incentivos fiscais a automóveis «amigos do ambiente». Um fim que se traduziu, em alguns casos, num aumento da tributação para o dobro, colocando em causa as decisões de milhares de empresas que optaram por veículos com tecnologia híbrida e híbrida plug-in.

Por isso, se a receita fiscal se sobrepõe à preocupação ambiental, coloca-se a seguinte questão: o que acontecerá em matéria de política fiscal quando os veículos 100% elétricos representarem uma fatia ainda mais significativa do mercado automóvel?

Faturação fiscal automóvel nos principais mercados europeus
Um estudo publicado pela Associação de Construtores Europeus de Automóveis (ACEA) — vê o estudo na íntegra —, indica-nos que os impostos ligados ao setor em Portugal atingiram 9,6 mil milhões de euros em 2020. O montante referido pesa, em Portugal, cerca de 21% da receita fiscal total, o que supera largamente o peso em muitos dos outros países. Por exemplo, na Finlândia temos um peso de 16,6%, em Espanha 14,4%, na Bélgica 12,3%, e na Holanda 11,4%.

Como podemos ver neste quadro, a receita fiscal portuguesa está muito dependente do setor automóvel. Perante a pressão das contas públicas, é expectável que o que aconteceu com os híbridos em 2021 possa acontecer aos elétricos em 2022?

A imprevisibilidade do OE 2021 convida-nos a acreditar que não há impossíveis nesta matéria.

É por isso que o setor automóvel e o poder político têm de começar já a preparar 2022. Mais do que isso, têm de preparar os próximos 10 anos. Os desafios que o setor automóvel tem de superar até 2030 — que são transversais à sociedade — assim o exigem. É isto ou o embaraço generalizado.

A ausência de comunicação que aconteceu em novembro passado não pode voltar acontecer em novembro futuro. Estaremos atentos aos sinais da ACAP e do poder político. Tudo o que possamos fazer nesse sentido será pouco. A economia agradece e o ambiente também.