Notícias Estalou o verniz. Concorrência denuncia falhas de qualidade nos carros da Xiaomi

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Estalou o verniz. Concorrência denuncia falhas de qualidade nos carros da Xiaomi

A utilização de processadores de classe doméstica em automóveis levantou uma discussão na indústria automóvel chinesa. E o novo Xiaomi YU7 está no epicentro do debate.

“Os automóveis não são bens de consumo rápido.” Foi com esta frase que Li Fenggang, vice-diretor do consórcio chinês FAW-Audi, iniciou um debate que promete durar sobre a qualidade dos componentes utilizados na indústria automóvel. Num vídeo partilhado numa rede social chinesa, questionou a utilização de chips de consumo (consumer-grade) em automóveis.

A crítica surgiu pouco depois da apresentação do Xiaomi YU7, um elétrico que utiliza processadores Snapdragon 8 Gen 3. Um processador muito comum em smartphones topo de gama, como o Samsung Galaxy S24 Ultra. Mas neste caso, não está num telemóvel, está num automóvel.

Onde está o alegado problema

A comparação poderá parecer exagerada, mas a polémica já fez eco nos corredores da indústria. É que o chip usado pela Xiaomi não tem certificação para a indústria automóvel.

Segundo os especialistas, essa certificação (AEC-Q, ISO 26262, IATF 16949) é precisamente o que distingue um componente preparado para funcionar num carro e outro concebido para funcionar num telemóvel durante três a cinco anos.

É esta diferença que, segundo Li, torna incomparável o rigor exigido nos componentes de um automóvel com os de um produto de eletrónica de consumo. Estes componentes são classificados consoante o tipo de aplicação, como mostra a tabela seguinte:

Classe do chip Intervalo temp. de funcionamento Requisitos de certificação Tipos de utilização Racio de defeitos (PPM)
Consumer Grade 0°C a 70°C Nenhuma ou mínima Telemóveis, computadores, eletrodomésticos, smart TVs Até 500 PPM
Industrial Grade -40°C a 85°C (varia consoante aplicação) AEC-Q100 (ambiental e durabilidade, opcional), ISO 9001 Equipamento industrial, automação, sistemas de controlo Inferior a Consumer Grade
Automotive Grade -40°C a 150°C AEC-Q100, ISO 26262, IATF 16949 Sistemas críticos em veículos (travagem, direção, airbag) Inferior a 1 PPM
Military Grade -55°C a 175°C (ou mais) MIL-STD-883, MIL-PRF-38535, etc. Radar, mísseis, comunicações militares Muito inferior a Automotive Grade
Aerospace Grade -100°C a 200°C (ou mais) RTCA DO-254, NASA, ESA, etc. Satélites, naves espaciais, aviões comerciais e militares Extremamente baixo (≪1 PPM)

Segundo este responsável a qualidade de um automóvel é, na verdade, um conceito de gestão sistematizado para todo o ciclo de vida do veículo. Começa no design do produto, passa por testes, certificações e, finalmente, produção em massa.

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“Um carro não opera nas mesmas condições de um smartphone“, defende Li Fenggang. Recordando que um automóvel está sujeito a vibrações, calor extremo, frio, humidade, condensação e ciclos de vida que podem ultrapassar 15 anos. Um smartphone entra e sai do bolso ou, no pior dos cenários, cai no fundo de uma piscina”.

A resposta da Xiaomi à FAW-Audi

A Xiaomi, por sua vez, respondeu com um argumento técnico: embora o Snapdragon 8 Gen 3 usado no YU7 não tenha certificação AEC-Q100 individual, o módulo completo onde o chip está inserido foi certificado segundo a norma AEC-Q104 — uma norma mais recente, orientada para módulos de múltiplos chips (Multi-Chip Modules), com foco na forma como funcionam juntos em termos de aquecimento, resistência mecânica e estabilidade elétrica. Ou seja, a Xiaomi não certificou o chip isoladamente —, mas sim a solução integrada.

Citado pela Automotive Industry China, Zhu Xichan, investigador da Escola de Engenharia Automóvel da Universidade de Tongji, explica o porquê de algumas marcas fugirem às certificações mais exigentes. No caso do Snapdragon 8 Gen 3, lançado em outubro de 2023, não seria possível cumprir todos os ciclos de validação automóvel até à entrada em produção do YU7.

Outros exemplos na indústria automóvel

A Xiaomi não foi a primeira marca a seguir este caminho no uso de chips de consumo doméstico. A Tesla, há quase uma década, foi das primeiras marcas a recorrer a este tipo de chips em larga escala no Model S, tendo enfrentado várias operações de recolha (recalls) por falhas nos módulos centrais do sistema de infoentretenimento, precisamente por usar chips fora da especificação automóvel.

Tesla Model S, primeira geração
© Tesla Tesla Model S.

Já outros fabricantes seguiram esta via, mas com mais cautela. A XPeng, por exemplo, recorre ao Qualcomm 8250 com certificação automóvel no G9 — um modelo que já testámos. A BYD usa o Qualcomm Snapdragon 8155P com certificação automóvel para as funções centrais, por questões de segurança, mas emprega o MediaTek MT8666 com certificação doméstica para o infoentretenimento.

Os Tesla Model 3 e Model Y também usam um AMD Ryzen V1000, que não tem certificação automóvel, mas a sua utilização está limitada a funções não criticas, nomeadamente no sistema de infoentretenimento.