Primeiro Contacto SKYACTIV-X. Já testámos o motor de combustão do futuro

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SKYACTIV-X. Já testámos o motor de combustão do futuro

Portugal foi o país escolhido para a realização do Mazda European Technology & Design Forum. Nós estivemos lá e entre outras novidades, conduzimos dois protótipos com os novos motores SKYACTIV-X. Uma tecnologia revolucionária que promete motores a gasolina com consumos inferiores aos Diesel.

Mazda3 protótipo Skyactiv-X

Numa altura em que praticamente toda a indústria parece determinada em confinar o motor de combustão interna aos livros de história, a Mazda segue… em contramão! Alegremente.

Não é a primeira vez que a Mazda o faz, e da última vez teve razão. Será que vai acontecer o mesmo novamente? Os japoneses acreditam que sim.

A decisão de continuar a apostar nos motores de combustão foi anunciada o ano passado, através da nova nova geração de motores SKYACTIV-X. E nós tivemos oportunidade de experimentar este novo motor SKYACTIV-X, ao vivo e a cores, antes da sua chegada oficial ao mercado, em 2019.

VEJAM TAMBÉM: Mazda SKYACTIV-X em vídeo. Este motor a gasolina funciona como um DIESEL

Preparem-se! O artigo será longo e técnico. Se chegares ao fim terás uma compensação…

Motor de combustão? E os elétricos?

O futuro é elétrico, e os responsáveis da Mazda também concordam com esta afirmação. Mas discordam quanto às previsões que dão o motor de combustão como «morto»… ontem!

A palavra chave aqui é “futuro”. Até o automóvel 100% elétrico ser o novo “normal”, a transição para uma mobilidade elétrica mundial prolongar-se-á por décadas.

Além do mais, a produção de energia elétrica proveniente de fontes renováveis também terá de crescer, para que a promessa de zero emissões dos carros elétricos não seja um logro.

Enquanto isso, caberá ao “velho” motor de combustão interna ser um dos principais responsáveis por reduzir as emissões de CO2 a curto e médio prazo — continuará a ser o tipo de motor mais comum durante as próximas décadas. E por isso, há que continuar a melhorá-lo. A Mazda assumiu como sua missão extrair toda a eficiência possível do motor de combustão na perseguição de menores emissões.

“Comprometida com o princípio da solução correcta na hora certa”, como a Mazda refere, leva a marca à procura constante da melhor solução — não aquela que melhor fica no papel, mas aquela que funciona no mundo real. É neste contexto que surge o SKYACTIV-X, o seu inovador e até revolucionário motor de combustão interna.

SKYACTIV-X
SKYACTIV-X encaixado no SKYACTIV Body. A caixa que se distingue à frente é onde se encontra o compressor.

Revolucionário, porquê?

Simplesmente porque o SKYACTIV-X é o primeiro motor a gasolina capaz de ignição por compressão — tal e qual os motores Diesel… bem, quase como os motores Diesel, mas já lá vamos.

A ignição por compressão — ou seja, a mistura ar/combustível ignifica instantaneamente, sem vela de ignição, quando comprimida pelo pistão —, em motores a gasolina, tem sido um dos “santo graal” perseguido pelos engenheiros.

Isto, porque a ignição por compressão é mais desejável: é muito mais rápida, queimando instantaneamente todo o combustível na câmara de combustão, o que permite efetuar mais trabalho com a mesma quantidade de energia, resultando em mais eficiência.

A combustão mais rápida permite igualmente uma mistura de ar/combustível mais pobre na câmara de combustão, ou seja, uma quantidade de ar bastante superior à de combustível. As vantagens são facilmente compreensíveis: a combustão realiza-se a temperaturas inferiores, resultando em menos NOx (óxidos de azoto), e há menos desperdício de energia durante o aquecimento do motor.

SKYACTIV-X, o motor
O SKYACTIV-X, em toda a sua glória

Os problemas

Só que ignição por compressão em gasolina não é nada fácil — não que não fosse tentado por outros construtores nas últimas décadas, mas nenhum chegou a uma solução viável que pudesse ser comercializada.

Carga Homogénea na Ignição por Compressão (HCCI), conceito subjacente à ignição por compressão, até agora só foi conseguida em regimes baixos do motor e com baixa carga pelo que, por razões práticas, a ignição por faísca (vela) continua a ser necessária para regimes e cargas elevadas. O outro grande problema é controlar quando a ignição por compressão acontece

O desafio é, portanto, conseguir transitar entre os dois tipos de ignição de forma harmoniosa, o que obrigou a Mazda a melhorar e controlar os diversos fatores que permitem a ignição por compressão a gasolina e com mistura pobre.

A solução

O momento “eureka” — ou será o momento em que se fez faísca? ba dum tss… — que permitiu resolver estes problemas, aconteceu quando os engenheiros da Mazda desafiaram a ideia convencional de que para acontecer combustão por compressão não são necessárias velas de ignição: “se a transição entre diferentes modos de combustão é difícil, será que, antes de mais, precisamos mesmo de fazer essa transição?” É aqui que reside a base do sistema SPCCI — SPark-Controlled Compression Ignition (Ignição por Compressão Controlada por Faísca).

Ou seja, mesmo para a combustão por compressão a Mazda recorre às velas de ignição, permitindo uma transição suave entre combustão por compressão e combustão por faísca. Mas se usa uma vela será que ainda se pode chamar de combustão por compressão?

Claro! Isto porque a vela de ignição serve, sobretudo, de mecanismo de controlo para quando se dá a combustão por compressão. Ou seja, a beleza do SPCCI é usar a metodologia de combustão de um motor Diesel com a metodologia de temporização de um motor a gasolina com vela de ignição. Podemos bater palmas? Podemos!

O objetivo

O motor foi desenhado de modo a criar as condições necessárias de temperatura e pressão na câmara de combustão, até ao ponto em que a mistura ar/combustível — muito pobre, de 37:1, cerca de 2,5 vezes mais do que num motor a gasolina convencional —  fique à beira da ignificação no ponto morto superior. Mas é a faísca da vela de ignição que inicia o processo.

Esta ignifica uma pequena mistura de ar/combustível, mais rica (29:1), injetada numa fase posterior, que origina uma bola de fogo. Esta aumenta ainda mais a pressão e temperatura na câmara de combustão, pelo que a mistura pobre, já perto do ponto onde está pronta a detonar, não resiste, e ignifica quase instantaneamente.

Este controlo sobre a ignição envergonha-me. A Mazda é capaz de fazer isto a mais de 5000 rpm e eu nem o churrasco consigo acender à primeira…

Uma solução que agora parece tão óbvia, mas que requereu novos “truques”:

  • o combustível tem de ser injetado em dois momentos distintos, um para a mistura pobre que será comprimida e outro para a mistura um pouco mais rica que será ignificada pela vela
  • o sistema de injeção de combustível tem de ter uma pressão super elevada, para permitir uma rápida vaporização e atomização do combustível, dispersando-o de forma imediata por todo o cilindro, minimizando o tempo de compressão
  • todos os cilindros têm um sensor de pressão, que monitoriza constantemente os controlos acima mencionados, compensando, em tempo real, quaisquer desvios aos efeitos pretendidos
  • recurso a um compressor — é o ingrediente essencial para manter a compressão elevada, já que o SKYACTIV-X recorre ao ciclo Miller, que baixa a compressão, permitindo a mistura pobre desejada. A potência e binário extra são uma bem vinda consequência

Vantagens

O sistema SPCCI permite expandir a combustão por compressão por uma faixa de regimes muito mais alargada, logo, mais eficiência em mais cenários de utilização. Comparativamente ao atual SKYACTIV-G, a marca promete consumos inferiores entre 20% a 30% dependendo da utilização. A marca refere que o SKYACTIV-X pode inclusivamente igualar e até exceder a economia de combustível do seu próprio motor Diesel SKYACTIV-D.

O compressor permite maior pressão de admissão, garantindo melhor desempenho e capacidade de resposta do motor. A maior eficiência numa faixa mais alargada de regimes permite também rodar em regimes mais elevados, onde há mais potência disponível e a resposta do motor é superior.

Apesar da complexidade do funcionamento, o uso constante da vela permitiu, curiosamente, uma conceção mais simples — não é necessário distribuição variável ou taxa de compressão variável —, e melhor, este motor funciona com gasolina 95, pois menos octanas é melhor para a ignição por compressão.

SKYACTIV-X protótipo

Finalmente, ao volante

O texto já vai muito longo, mas é necessário. É importante perceber o porquê de todo o “burburinho” à volta deste motor — é realmente um avanço notável no que toca a motores de combustão. Teremos de esperar por 2019 para verificar todas as reivindicações da Mazda sobre o mesmo, mas considerando o que foi prometido e demonstrado com os SKYACTIV-G, as expectativas são elevadas para que o SKYACTIV-X cumpra tudo o que promete fazer.

Felizmente, já tivemos oportunidade de um teste antecipado. Estava previsto um contacto dinâmico com protótipos equipados com o SKYACTIV-X, escondidos por baixo da familiar carroçaria do Mazda3, apesar de pouco ou nada ter a ver com o Mazda3 que conhecemos — também a arquitetura base por baixo da carroçaria já é de segunda geração.

Conduzimos duas versões dos protótipos — um com caixa manual e outro com caixa automática, ambas com seis velocidades — e ainda pudemos comparar a diferença com o atual Mazda3 2.0 de 165 cv e caixa manual, para melhor discernir as diferenças. Por sorte foi o primeiro carro que conduzi, permitindo averiguar o bom conjunto motor/caixa (manual).

SKYACTIV-X protótipo

A diferença entre o SKYACTIV-X (motor do futuro) e o SKYACTIV-G (motor atual) não podia ser mais clara. O novo motor da Mazda é bem mais energético, independentemente do regime — o binário extra disponível é bem evidente. Tal como o “G”, o “X” é uma unidade com 2.0 litros, mas com números mais sumarentos. A Mazda aponta para uma potência a rondar os 190 cv — que se notam, e bem, na estrada.

VÊ TAMBÉM: Oficial. O motor Wankel da Mazda regressa em 2019, mas…

Surpreendeu pela sua capacidade de resposta, desde os regimes mais baixos, mas o melhor elogio que se pode fazer ao motor, é que apesar de ser uma unidade em desenvolvimento, já convence mais que muitos propulsores existentes no mercado.

Os receios de que, por haver ignição por compressão como num Diesel, trouxesse algumas das características desse tipo de motor, como maior inércia, faixa de utilização curta, ou até sonoridade verificaram-se completamente infundados. Se isto é o futuro dos motores de combustão, venha ele!

 

Imagem do interior. (Créditos:CNET)

O interior do protótipo — claramente o interior de um carro em desenvolvimento — vinha com um ecrã posicionado acima da consola central com três círculos numerados. Estes iam apagando ou acendendo, dependendo do tipo de ignição ou mistura que ocorria:

  • 1 — ignição por faísca
  • 2 — ignição por compressão
  • 3 — mistura mais pobre ar/combustível onde se obtinha o máximo de eficiência
Motores "pequenos" para Portugal?
A fiscalidade aberrante portuguesa tornará este motor uma escolha marginal. Os 2.0 litros de capacidade são ideais por vários motivos, até por ser uma capacidade com boa aceitação na maioria dos mercados mundiais. Os engenheiros responsáveis pelo SKYACTIV-X referiram que outras capacidades são possíveis, mas para já não está nos planos da marca desenvolver motores com capacidade abaixo dos 2.0 litros.

Impressionou a variedade de situações onde a ignição por compressão ocorria — praticamente só mudando para a ignição por faísca, quando explorávamos os regimes mais elevados do motor ou quando calcávamos o acelerador a fundo.

Quanto ao modo 3, obrigava claramente a uma condução mais regrada, sobretudo com a caixa manual, onde se revelou difícil — ou falta de sensibilidade do pé direito —, que o mesmo surgisse no ecrã. A caixa automática — com escalonamento para o mercado norte-americano —, apesar de menos agradável de usar, revelou-se bastante mais fácil de “acender” o círculo número 3.

Consumos? Não sabemos!

Bem que perguntei, mas ninguém avançou com números concretos. O computador de bordo estava “estrategicamente” tapado com fita adesiva, pelo que, para já, apenas podemos basear-nos nas declarações da marca.

Uma nota final para os protótipos que já integravam a nova arquitetura — mais rígida e a permitir maiores níveis de refinamento interior. É importante não esquecer que se tratavam de protótipos de desenvolvimento, pelo que não deixou de surpreender que estes fossem mais refinados e com melhor isolamento acústico do que o Mazda3 atual de produção — a próxima geração promete…

Novo Mazda3 deverá ser o primeiro SKYACTIV-X

Kai Concept
Kai Concept. Não mexam mais e produzam o Mazda3 assim.

Muito provavelmente, o Mazda3 será o primeiro modelo a receber o inovador SKYACTIV-X, pelo que só algures em 2019, poderemos realmente averiguar os ganhos de eficácia do motor.

Quanto ao design, Kevin Rice, responsável pelo centro europeu de design da Mazda, disse-nos que o aspeto geral do Kai Concept é produzível, ou seja, não está muito longe da versão final do futuro Mazda3 — esqueçam é as mega-rodas, os mini-retrovisores ou as óticas expostas…

85 a 90% das soluções de design do Kai Concept poderão passar à produção.

Chegaste ao fim do artigo… finalmente!

O prometido é devido, já dizia o Rui Veloso. Portanto, aqui fica uma espécie de compensação. Um épico kamehameha a fazer recordar os acontecimentos dentro das câmaras de combustão do motor SKYACTIV-X.

SKYACTIV-X. Já testámos o motor de combustão do futuro

Primeiras impressões

O SKYACTIV-X, após este contacto inicial, promete bastante. O motor revelou-se bastante agradável de conduzir, parecendo um motor naturalmente aspirado de grande capacidade e, de momento, apenas podemos confiar nas declarações da Mazda sobre a eficiência do mesmo. Se cumprir tudo o que diz, estamos claramente na presença do próximo passo dos motores de combustão… enquanto o futuro elétrico não nos conquista a todos. Referência ainda para a segunda geração da arquitetura SKYACTIV, que permitiu que os protótipos de desenvolvimento fossem mais refinados e silenciosos que o atual Mazda3. Impressionante.

Data de comercialização: Setembro 2019

Prós

  • Prestações
  • Agradabilidade de condução
  • Disponibilidade do motor

Contras

  • Motor pouco adequado à nossa fiscalidade
  • Consumos não verificados