Conduzi o Toyota Land Cruiser Série 70 que a Europa roubou a Portugal

O Toyota Land Cruiser 70 é um fóssil vivo com alma de canivete suíço ou navalha alentejana.

---

Poucos carros resistem tanto ao tempo como o Toyota Land Cruiser Série 70. Ao tempo e não só, como veremos adiante. Lançado em 1984, continua a ser produzido, vendido e utilizado nas condições mais extremas do planeta.

Uma espécie de fóssil vivo da engenharia automóvel, onde a palavra “evolução” é usada com pinças e apenas quando a função o exige. Olhem para ele como um canivete suíço, capaz de nos safar de qualquer situação. Ou se preferirem, como uma navalha alentejana, uma vez que também é produzido em Portugal — falaremos disso mais adiante.

Fomos até à Nova Zelândia para um breve contacto com a versão 2025 do Land Cruiser Série 70. Foram poucos quilómetros, com menos off road do que gostaríamos. Mas mesmo assim, deu para confirmar o que já sabíamos: o Land Cruiser 70 não se modernizou. Refinou-se. Sem pressas.

Posso dizer que há muito tempo que não sorria tanto num vídeo. Talvez o conteúdo fale por si:

Robusto com coração moderno

Por fora, continua igual a si próprio. A carroçaria de linhas retas parece desenhada com régua, os painéis parecem chapas de aço moldadas à martelada e o visual remete imediatamente para um tempo em que os 4×4 eram ferramentas, não objetos de estilo.

Neste Toyota Land Cruiser Série 70 tudo obedece à função mais básica de todas: resistir, resistir e resistir. Até porque em alguns mercados onde este modelo é comercializado é mesmo disso que se trata: resistir.

Ainda assim, houve lugar para algumas atualizações. As versões 2025 do Toyota Land Cruiser Série 70 destinadas a mercados como o australiano já têm travagem automática, aviso de ângulo morto e até Apple CarPlay sem fios.

Mas há uma atualização mais importante: o motor. O novo motor 2.8 Turbo Diesel de quatro cilindros — o mesmo usado noutros modelos da marca, como a Hilux — debita agora 204 cv e 500 Nm de binário.

Quase que permitia este modelo ser comercializado na Europa — quase…! Ao contrário dos restantes motores do Land Cruiser, de seis e oito cilindros, atmosféricos e talhados para África e Médio Oriente. São menos potentes e mais gastadores, mas também são menos complexos e mais resistentes.

Comportamento surpreende

Como ficou patente no vídeo, a sensação de robustez é difícil de descrever. O som das portas a fechar, a vibração do chassis em estrada irregular, a forma como tudo está à vista — desde o painel de instrumentos analógico aos detalhes da carroçaria. Tudo transmite uma confiança quase mecânica. Como se este Toyota fosse uma alfaia agrícola, pronta para trabalhar durante décadas sem protestar.

Infelizmente, os trilhos disponíveis no nosso curto teste não permitiram explorar a fundo as suas capacidades fora de estrada. Mas basta olhar para o histórico do modelo e para os seus clientes habituais — desde minas na Austrália até expedições em África —, para perceber que este Toyota não precisa de provar nada a ninguém.

Por seu turno, o comportamento em estrada é surpreendentemente aceitável, tendo em conta o tipo de veículo em causa. A suspensão continua firme, os travões pedem alguma distância (os pneus não ajudam), e a direção… bom, é melhor não largar o volante.

Mas quem compra um Land Cruiser Série 70 não procura dinâmica acutilante. Está à procura de confiança. E confiança é algo que não vai faltar seguramente.

Feito em Portugal e vendido no mundo inteiro (menos na Europa)

O Toyota Land Cruiser Série 70 é atualmente produzido em cinco fábricas espalhadas pelo mundo. Uma das quais localizada em Ovar, Portugal, onde a Toyota Caetano monta unidades com especificações adaptadas a mercados exigentes como o africano.

É um dos poucos veículos produzidos em território nacional com verdadeira projeção global e isso diz muito da importância industrial deste modelo — mesmo que em Portugal (ou na Europa) o público em geral o desconheça quase por completo.

E por que razão não é vendido por cá? A resposta é simples: regulamentos de emissões e segurança. O Série 70 não cumpre várias normas europeias atuais e adaptar o modelo teria um custo demasiado elevado para o retorno esperado. Ainda assim, pela natureza de nicho deste modelo devia haver um regime de excepção.

É um veículo de trabalho, faz sentido sujeitá-lo às mesmas normas dos veículos que circulam maioritariamente nas cidades? Acho que não, e tenho a certeza que não estou sozinho. Mas os burocratas europeus pensam de outra maneira. Sinto que a Europa nos roubou um modelo muito capaz para quem precisa disso: de robustez acima de tudo.

O fim ainda não chegou

A Toyota já confirmou que vai manter o Série 70 em produção enquanto houver procura. Uma procura que continua bem viva. Num mundo em que os SUV se tornaram cada vez mais suaves, tecnológicos e indistintos, o Land Cruiser 70 continua a ser o oposto: robusto, simples e eficaz.

Não tem ecrãs gigantes, não tem modos de condução, nem tem assistentes de voz. Mas tem algo que poucos carros têm: carácter. É uma história que ainda está a ser escrita perto de Ovar, mas muito longe das estradas nacionais.

Adorei conduzi-lo e tenho pena que talvez nunca volte a sentar-me aos seus comandos. É por isso que para mim este vídeo é tão especial: mostra que ainda há carros pensados para todo o mundo. Todo o mundo menos a Europa…