Macan elétrico é a jogada mais arriscada feita pela Porsche?

A segunda geração o Macan rendeu-se à eletrificação total, mas será que isso beliscou a «alma» desportiva deste Porsche?

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Não se deixe enganar pelo nome. A nova geração do Porsche Macan não podia ser mais diferente daquela que conhecíamos. Agora é 100% elétrico, partilha a plataforma PPE com o «irmão» Audi Q6 e-tron e em algumas versões pesa praticamente duas toneladas e meia.

Eu sei, não é isto que estamos habituados a ver associado ao nome Macan. Talvez por isso, a Porsche tenha feito «marcha-atrás» na decisão e já confirmou que vai lançar um SUV equivalente a combustão, mas que poderá chamar-se outra coisa.

Enquanto não chega, peço-lhe que não desista já do Macan elétrico. A missão mantém-se: ser o SUV mais desportivo e divertido de conduzir da marca de Estugarda. Resta saber se agora que é elétrico, ainda o consegue fazer. Passei uma semana com ele e descobri a resposta. E pode não ser aquela que muitos estão à espera.

ADN visual Porsche

Apesar de ter crescido ligeiramente em comprimento e largura face à anterior geração, olho para este Macan e vejo imediatamente o ADN Porsche. Os guarda-lamas elevados e arredondados remetem-nos de imediato para o icónico 911, mas a assinatura luminosa em ambas as extremidades está muito próxima do que encontramos no Taycan.

Por não termos um motor de combustão à frente, o capô é significativamente mais curto, o que também ajuda a reforçar a sensação de robustez deste modelo. Algo que também é vincado pela linha de ombros musculada.

A linha de tejadilho descendente é sempre discutível neste tipo de modelos, onde a versatilidade é muito apreciada. Porém, sabendo das ambições que a marca de Estugarda tem para este SUV, sobretudo do ponto de vista dinâmico, é fácil justificar a decisão da equipa de design da Porsche.

Bagageira cresceu

Mesmo assim, a silhueta não parece ter afetado a capacidade da bagageira. O Macan elétrico tem uma volumetria muito maior que o anterior Macan a combustão: 540 litros contra 458 litros e isto sem contar com o espaço adicional por baixo do capô dianteiro, que acrescenta 84 litros.

Está em linha com a principal concorrência, seja o Maserati Grecale Folgore (535 litros), o Audi Q6 e-tron (526 litros) ou o BMW iX (500 litros). Traduzindo estes números por palavras, posso garantir que o Macan tem espaço suficiente para as férias de uma pequena família.

Interior sem surpresas

Quem já for cliente Porsche não vai ficar surpreendido com o interior do novo Macan. A qualidade está em muito bom plano. Não tem materiais tão vistosos como aqueles que encontramos no Maserati Grecale Folgore, que também é mais caro, mas em compensação o rigor de montagem é superior e parece estar no sítio certo, sobretudo a dupla de ecrãs.

Gosto particularmente do painel de instrumentos curvo com 12,6”, que «encaixa» perfeitamente no nosso campo de visão e pode ser personalizado a gosto.

O volante também não merece qualquer reparo: é o mesmo que encontramos em todos os Porsche da atualidade e, honestamente, é um dos melhores do mercado: excelente pega, boa dose de botões físicos para as funcionalidades mais usadas e um comando rotativo para alternar entre os modos de condução. Está tudo certo.

Um opcional que dispenso por completo

Há ainda um terceiro ecrã com 10,9” que pode ser montado em frente ao passageiro. A unidade que testei não tinha este opcional, mas confesso que tenho alguma dificuldade em perceber-lhe a utilidade. Qualquer que seja o modelo.

Já por outro lado, se estivesse comprador deste Porsche Macan elétrico, o sistema de som BOSE (custa 1217 euros) seria sempre um opcional obrigatório. O som é rico, limpo e muito bem distribuído por todo o habitáculo.

E por falar em som, importa destacar que por termos um sistema operativo que utiliza o Android Automotive como base, podemos ter de forma nativa aplicações como o YouTube, o Spotify ou o Amazon Musica, além da já «obrigatória» integração sem fios com o smartphone, através do Android Auto e do Apple CarPlay.

E o espaço?

Já aqui olhámos para o espaço que o novo Macan oferece ao nível da bagageira e a análise foi positiva. Mas e o espaço para quem viaja atrás? Bem, também dá boa conta de si.

Veja (ou reveja) o vídeo que o Diogo Teixeira gravou na revelação deste modelo e que mostra isso em mais detalhe:

É um Porsche…

E isto já diz praticamente tudo. Os engenheiros de Zuffenhausen têm um talento especial para dar um tato muito específico a todos os seus automóveis.

Sejam animados por um motor de combustão interna ou por um (ou vários) motores elétricos, há uma série de afinações e sensações que eu diria serem transversais a todos os modelos. Falo da direção precisa, do pedal do travão brilhantemente calibrado e, acima de tudo, da finesse com que o carro se mexe. Neste Macan não é diferente.

Temos a força bruta típica de um elétrico com mais de 400 cv, mas combinada com comandos precisos e uma direção com um tato limpo, que lhe dá um toque inesperado de diversão. Neste capítulo, contudo, tenho de dizer que não chega, por exemplo, ao nível de um Porsche Macan GTS a combustão, mas que é um SUV divertido de conduzir, isso é inegável.

Curiosamente, os 2400 kg até ajudam — nunca pensei escrever isto… A bateria (muito pesada) está montada no chão da plataforma, o que ajuda a reduzir o centro de gravidade e permite disfarçar o corpo menos atlético deste SUV.

Por isso, o Macan é bem mais ágil do que tinha antecipado, ao mesmo tempo que revela uma compostura e uma progressividade que já eram qualidades da anterior geração.

O chassis é muito competente e, em conjunto com a suspensão pneumática adaptativa (um opcional obrigatório), garante ao Macan uma versatilidade que, no final do dia, faz toda a diferença.

Numa estrada de montanha o Macan «mergulha» bem nas curvas e deixa-nos esmagar o pedal do acelerador relativamente cedo, para sair da curva com ímpeto. Sempre com movimentos muito bem controlados e sem histerismos desnecessários. Já em autoestrada, a ritmos estáveis, transforma-se num estradista, silencioso e confortável.

Por isso, faz exatamente aquilo que a Porsche sempre quis que o Macan fizesse. Continua a ser o SUV mais desportivo e empolgante da marca alemã, que tem no Cayenne — que também irá ter uma variante 100% elétrica — uma proposta mais espaçosa, refinada e confortável.

Qual a autonomia real?

A unidade que testei era o Macan 4, que combina dois motores elétricos (um por eixo), para uma potência total combinada de 300 kW (408 cv) e 650 Nm de binário máximo. Vai dos 0 aos 100 km/h em 5,2s e podemos atingir os 220 km/h de velocidade máxima. E lamento ser tão direto, mas se isto não for suficiente, provavelmente um SUV elétrico não é para si.

Tão ou mais interessante é o facto de contarmos com uma bateria com 95 kWh (úteis), com a Porsche a anunciar uma autonomia de até 613 km (ciclo combinado WLTP).

Contudo, no mundo real, com a média de 21 kWh/100 km que registei neste ensaio, teoricamente só conseguiria fazer pouco mais de 450 km com uma carga completa. Importa dizer que no meu percurso diário faço alguma autoestrada, mas mesmo assim esperava uma eficiência superior.

Claro que em percursos mais curtos, a velocidades mais baixas e em zonas urbanas, consegui fazer melhor. Aliás, muito melhor. É relativamente fácil andar na casa dos 17 kWh/100 km. Por isso, no que toca a autonomias, vai mesmo depender muito do tipo de percurso que faz durante o dia ou semana.

Escolhia o Porsche Macan 4?

Provavelmente não escolheria esta versão. A menos que faça questão de ter este nível de potência/performance, acho que o Macan mais interessante pode mesmo ser o de entrada, com 360 cv e tração traseira. E até dá mais uns «pózinhos» extra em autonomia.

Contudo, sendo o Macan 4 o degrau seguinte, continua a estar naquele que eu considero ser o sweet spot da gama. Dificilmente consigo justificar a escolha de um Macan Turbo. É assim com o Macan, mas posso dizer exatamente a mesma coisa sobre o Taycan.

Pode ser um Porsche, mas o preço é um trunfo importante deste elétrico: o Macan 4 arranca nos 86 793 euros e a versão base nos 83 671 euros.

A título de exemplo, o Audi Q6 e-tron quattro, numa configuração semelhante, custa 82 870 euros. O BMW iX, na versão xDrive45, começa nos 87 000 euros. E o Mercedes-Benz EQE SUV 350+ nos 87 250 euros. E já nem falo do Maserati Grecale Folgore, cuja gama arranca nos 116 794 euros.

Tiro ao lado?

Quanto ao Macan em si, não há qualquer dúvida de que se trata de um excelente produto. Aliás, globalmente, até poderá ser o melhor Macan de sempre. Mas isso não chega para dizer, de caras, que esta foi uma aposta certeira da Porsche.

Afinal estamos perante um «campeão» de vendas e receitas dentro da marca de Estugarda. E se em Portugal as vendas até estão a correr bem, noutros mercados já não se pode dizer o mesmo.

A eletrificação total ainda não é para todos e, honestamente, não sei se alguma vez será. Por isso mesmo, aos dias de hoje, decidir tornar um modelo exclusivamente elétrico é condená-lo a apenas um pequena franja do mercado.

Nós sabemos disso e, naturalmente, a Porsche também. Daí que já tenha recuado nas suas ambições elétricas à geral e para este modelo, tendo confirmado para 2028 um SUV equivalente a combustão.

É um admitir de um erro? Provavelmente sim. Mas mesmo que seja, será sempre culpa do mercado e não do Macan elétrico, que é um excelente carro.