Opinião Elon Musk: de génio inspirador a elefante na sala

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Elon Musk: de génio inspirador a elefante na sala

A Tesla enfrenta queda global nas vendas e receitas, e sofre enorme pressão dos investidores, enquanto Musk trava uma guerra política com Donald Trump.

Tesla Elon Musk

Elon Musk quer chegar mais alto do que nunca: como político e com a sua empresa espacial SpaceX. Mas a sua marca de automóveis Tesla tem problemas bem reais.

Desde uma quedas substanciais nas vendas/receitas por culpa de uma gama de modelos envelhecida e das nada populares convicções políticas do seu líder, ao final dos incentivos federais em forma de impostos ditados pelo seu ex-amigo e agora superinimigo Donald Trump. E passa também pela diminuição das receitas milionárias que sempre recebeu pelo que os outros fabricantes de automóveis poluem acima da lei.

As juras de ódio entre estes dois “machos-alfa” têm subido de tom. O conflito surgiu no início de junho devido às críticas de Musk, relacionadas com o projeto de lei fiscal e orçamental de Trump, que o sul-africano diz aumentar a dívida nacional em vez de a reduzir. A retaliação do presidente não tardou.

Elon Musk
© Tesla

Musk, segundo alegações de Trump, só amuou porque essa lei baniu a isenção de impostos para a compra dos «seus» carros elétricos. O ego de Elon Musk não se calou e partiu para a tentativa de provar que é melhor que Trump em tudo, fundando o seu próprio partido político e insinuando que o presidente esteve envolvido num dos maiores escândalos sexuais das últimas décadas nos Estados Unidos.

O problema é sério

Esta dura batalha, travada sobretudo nas redes sociais (claro), está a custar rios de dinheiro a Musk. De repente, a Tesla deixou de ser cool. Muitos seguidores dececionados do autoproclamado “messias da mobilidade elétrica” colaram autocolantes nos seus Tesla com a frase: “Comprei isto antes de o Elon enlouquecer”.

As vendas caíram a pique (13% na primeira metade de 2025) e os Tesla começaram a ganhar pó nos concessionários — globalmente, no segundo trimestre deste ano foram fabricados 410 000 carros e vendidos apenas 384 000. As quebras de vendas registadas no último ano e meio são apenas as segundas na história da Tesla num trimestre homólogo.

Também na China, a quota de mercado da Tesla na categoria “Veículos de Novas Energias” (NEV) caiu de 6,9% no final de 2024 para 5,5% em junho de 2025, de acordo com a CnEVPost. Em maio, as vendas nesse que é o maior mercado automóvel do mundo mergulharam 30% em relação ao ano anterior.

O alerta vermelho completa-se com a situação na Europa, onde, na primeira metade do ano, as vendas afundaram 32%, de acordo com a ACEA (Associação de Construtores de Automóveis da Europa). No maior mercado da região, a Alemanha, foram matriculados menos 58,2% de Tesla de janeiro a junho face a igual período de 2024.

Gigafactory Tesla Berlin Brandenburg
© Tesla Na fábrica da Tesla na Alemanha, há mais de 400 funcionados e 2500 trabalhadores temporários que foram dispensados.

A situação difícil estende-se, naturalmente, também à fábrica da Tesla em Grünheide, perto de Berlim, onde o Model Y é produzido e exportado para mais de 30 países europeus e asiáticos.

Além dos cortes de emprego planeados à escala global (que afetam 10% da força de trabalho, cerca de 14 000 empregados), há mais 400 funcionários em Grünheide e 2500 temporários que receberam “guia de marcha”. A produção está atualmente nas 5000 unidades por semana, ou aproximadamente 250 000 por ano — muito longe da meta anual original de um milhão de automóveis.

Indicadores económicos afundam

Os resultados financeiros ainda foram piores do que os números de vendas, com a faturação líquida a cair 16% (para 1,2 mil milhões de dólares) na primeira metade de 2025. Isto porque houve outros fatores a juntar ao efeito acumulado de uma gama de automóveis elétricos envelhecida e de um líder desbocado.

Também está a pesar a diminuição das receitas dos créditos de emissões vendidos à generalidade dos fabricantes mundiais, que ainda são incapazes de cumprir as metas de CO2. Seja porque as emissões estão a diminuir à medida que avançam na eletrificação dos seus automóveis, seja porque Trump e os seus amigos Republicanos redigiram um decreto para acabar com essa mesma penalização das marcas de automóveis nos Estados Unidos. Como consequência, as receitas em sede de emissões de créditos diminuíram para metade (429 milhões de dólares) na primeira metade deste ano.

Sem surpresa, o mercado bolsista reagiu nervosamente e, a 5 de junho último (dois dias depois de Musk ter atacado Trump), a Tesla viveu a sua Quinta-feira Negra*. Cada ação do fabricante de automóveis elétricos caiu mais de 14%, para pouco menos de 285 dólares, significando um prejuízo imediato de cerca de 153 mil milhões de dólares. De guru inspiracional do setor automóvel, Elon Musk está agora a ser olhado como o elefante na sala.

Elon Musk durante a apresentação do Tesla Semi
© Tesla Elon Musk como cara da empresa no evento de entrega das primeiras unidades do Tesla Semi.

Entretanto, as críticas subiram de tom e incluem comentários de que Musk perdeu o interesse na Tesla para perseguir o sonho de voar para Marte com a sua empresa SpaceX. Jed Dorsheimer, analista de ações da consultora William Blair, não teve dúvidas em anunciar um downgrade (uma descida na classificação) das ações da Tesla: “O que os investidores querem é um CEO que cuide da sua empresa.”

Todos os analistas (e o próprio Elon Musk) são unânimes em considerar que, pelo menos, o próximo ano e meio vai ser um autêntico suplício para a Tesla. E isto mesmo sem saberem (não que isso fosse possível) qual será a conduta errática do seu desconcertante líder.

Mesmo que se concretizem as profecias visionárias de que o táxi-robô da Tesla e a sua tecnologia de condução autónoma irão permitir maiores lucros do que as vendas de automóveis, isso não vai acontecer já. O táxi-robô está anunciado para o final de 2026 o que, em «linguagem Tesla», deverá significar 2027… ou 2028.

Um robô (visto como) salvador

O design cansado dos carros da Tesla ainda pode ser remediado com maior ou menor facilidade através de atualizações ou facelifts. Mas as plataformas em que os carros se baseiam já contam com até 13 anos de idade.

O Model S é o mais veterano e o Model Y, já com cinco anos, o mais recente. Mesmo que a startup californiana trate o veículo como um dispositivo eletrónico inteligente que está constantemente a receber atualizações remotas de software, nem os especialistas de IT conseguem fazer magia.

Tesla Model Y - condução autónoma
© Tesla / YouTube A capacidade de condução autónoma continua a ser uma das prioridades no desenvolvimento de novas tecnologias da Tesla.

Especialmente quando se trata de infoentretenimento e funções de condução autónoma, as muito ágeis marcas chinesas BYD, Xiaomi e Nio estão a superar a antiga referência do setor, que as começou por inspirar. Isto enquanto na Tesla, o desenvolvimento de tecnologia de condução autónoma tem sido bastante conturbado, com acidentes e avarias a fazerem manchetes na comunicação social.

Tesla à beira do abismo?

Muito improvável. Com uma capitalização bolsista atual ligeiramente acima de mil milhões de dólares, essa avaliação corresponde a 189 vezes os seus lucros (rácio valor/lucro)** dos últimos 12 meses, segundo os dados da empresa de estudos de mercado Statista.

Para se perceber o quão desequilibrado está este indicador (e segundo a mesma fonte), a gigante tecnológica Nvidia tem um rácio valor/lucro de 55. Nos últimos quatro trimestres concluídos, a receita da Nvidia cresceu 86% — a da Tesla encolheu 3%.

Outras empresas tecnológicas, como a Apple e a Meta, têm rácios de 33 e 28, respetivamente, enquanto os fabricantes de automóveis General Motors e BYD têm uma cotação bolsista que não vai além de oito vezes os seus lucros.

Ao contrário da Tesla de Elon Musk, no entanto, todas estas empresas registaram um crescimento positivo das suas receitas nos últimos 12 meses.

Os quatro modelos da Tesla já receberam atualizações, mais profundas nos modelos mais vendidos como o Model 3 e o Model Y. No entanto, a base de desenvolvimento de todos já está envelhecida e chega mesmo aos 13 anos no caso do Model S.

* Em alusão à maior derrocada da bolsa de Nova Iorque (que perdeu 11% do seu valor), que começou numa quinta-feira (24 de outubro de 1929), arrastando a economia dos Estados Unidos e do mundo para uma das maiores crises da história. E que marcou o início dos 12 anos da Grande Depressão, que afetou todo o mundo ocidental industrializado.

** Este rácio (P/E ou PER) estabelece uma relação entre o preço atual das ações de uma empresa com os seus lucros.