Crónicas Os nossos filhos não vão ter um Saxo Cup

Liberdade

Os nossos filhos não vão ter um Saxo Cup

Não são apenas desportivos que estão em causa, é o direito à mobilidade individual. O assunto é sério quando falamos das gerações vindouras.

citroën saxo cup, traseira 3/4
© Citroën

Puxei pela cabeça, pensei em várias hipóteses, mas infelizmente não há. Simplesmente não existem. As novas gerações não têm carros tangíveis que os façam sonhar como nós sonhámos há uma dúzia de anos. Olhando para o calendário percebo que a minha contabilidade temporal já viu melhores dias. Já passaram décadas. Não foi uma dúzia de anos, mas isso é outra conversa…

A minha geração teve o Saxo Cup, a geração antes da minha teve o Clio Williams (entre outros…) e, se recuarmos um pouco mais, chegamos às gerações que sonharam com modelos como o Renault 5 Turbo ou mesmo um modesto Datsun 1200. Estamos a ficar velhos, meus amigos. Mas não é isso que me inquieta.

Renault Clio Williams
© Razão Automóvel Renault Clio Williams no Estoril… à chuva. Boas memórias.

Quais vão ser os carros com que os nossos filhos vão sonhar? Não falo de carros de sonho como um Porsche 911, de supercarros com um Ferrari ou até mesmo de um «modesto» Toyota GR Yaris — são apenas alguns exemplos de modelos que felizmente continuam a proliferar. Falo de carros tangíveis, daqueles que nos tiravam o sono sem esvaziar a carteira.

Como se recordam, no início dos anos 2000, era possível almejar ter um «carro de sonho» parado à porta de casa. Podíamos comprar um pocket rocket por menos de 20 mil euros. No mercado de usados, nem se fala… Muitos dos carros que mencionei custavam uma fração do preço atual.

Todos esses carros estão a desaparecer e não há alternativas. Um Alpine A290, que custa mais de 40 mil euros, ou um Toyota GR Yaris, que em Portugal custa bem mais de 50 mil euros, não são alternativa, pelo menos para os mais jovens. Coitados nem casa, nem carro. Está tudo caro…

É precisamente essa escassez de pequenos desportivos — que estão a desaparecer do catálogo das marcas sem deixar sucessor —, que está a alimentar ferozmente a escalada de preços destes carros no mercado de usados e que há 10 anos custavam menos de três mil euros: Citroën AX GTI e Saxo Cup, Volkswagen Polo G40, Peugeot 206 GTI e 106 Rallye, etc.

Agora, um exemplar de qualquer um destes modelos custa mais de 10 mil euros se estiver em bom estado. É o efeito de um «imposto» fantasma que não encontramos nos manuais de economia e finanças públicas: chama-se revivalismo.

É possível que estes valores continuem a subir. Porque para uma viagem de regresso à nossa juventude, nem me parece um valor assim tão elevado. Mas vamos perceber isso melhor daqui a uns anos.

Não acreditam? Vejam o preço das Yamaha DT 50 LC. Mais de três mil euros por uma motorizada cor-de-rosa. É o tal imposto de revivalismo. Se tivesse uma máquina do tempo, acreditem que ia ao passado buscar algumas por 600 euros e distribuía pelas secundárias e preparatórias do país. “Antigamente, era isto que cheiravam os intervalos das aulas: a motor a dois tempos”.

Felizmente ou infelizmente, não existem máquinas do tempo. E, em boa verdade, o passado pertence onde deve estar. Mas não posso deixar de lamentar que as novas gerações não tenham um Citroën Saxo Cup que as faça sonhar.

E não me venham com a história de que as novas gerações não gostam de carros. Onde é que já se viu os jovens, seja qual for a geração em questão, desprezarem um símbolo de liberdade. Simplesmente é um bem cada vez menos tangível e cada vez mais caro. Tal como a liberdade…

É por isso que, com ou sem carros de sonho, nós — as gerações mais velhas — temos um dever importante para com as gerações vindouras: defender o automóvel. Como disse recentemente Carlos Tavares, ex-CEO da Stellantis: “não existe democracia sem direito à mobilidade individual”. Não podemos permitir que os automóveis continuem a ser o «saco de pancada» preferido de políticos populistas e burocratas ignorantes.