Segurança Rodoviária
A origem do ESP. Era uma vez um despiste…
O ESP, tal como o conhecemos, foi introduzido pela primeira vez há 22 anos pela Mercedes-Benz. A história por detrás da sua invenção começou precisamente por um despiste.

O ESP é considerado um dos maiores avanços em termos de segurança automóvel desde a introdução do cinto de segurança. Estima-se que desde a sua introdução em 1995, o ESP já tenha evitado mais de um milhão de fatalidades a nível global.
Mas o que é o ESP? Por detrás destas três letras esconde-se a definição de Electronic Stability Program — também é conhecido por ESC (Electronic Stability Control) ou DSC (Dynamic Stability Control). Traduzindo para bom português obtemos Controlo Eletrónico de Estabilidade.
Qual é a sua função?
O objetivo deste sistema é minimizar a probabilidade de perda de controlo do carro em curva ou em pisos com baixa aderência.
Trata-se efetivamente de uma extensão do sistema de anti-bloqueio dos travões (ABS), pois quando deteta a perda do controlo direcional — como numa situação de sub ou sobreviragem — pode atuar de forma individual sobre os travões, de modo a manter a trajetória pretendida originalmente pelo condutor.
Alguns sistemas, além de atuarem sobre os travões, reduzem igualmente a potência do motor até o controlo do automóvel ser restabelecido.

E no início houve um despiste
E como acontece com a história de tantas invenções, também esta surgiu por acidente… literalmente com um acidente. Frank Werner-Mohn, um jovem engenheiro da Mercedes-Benz, efetuava testes de inverno na Suécia, ao volante dum W124 (Classe E), em fevereiro de 1989. E como podemos observar na imagem de destaque deste artigo, o teste acabou numa valeta, com o carro a ficar parcialmente soterrado na neve.
Sozinho, longe de Stromsund, a localidade mais próxima, teve de aguardar ainda bastante tempo pelo reboque — na altura não havia telemóveis para uma rápida comunicação.

Tempo que lhe permitiu ponderar sobre o que lhe tinha acontecido, o que levou rapidamente a uma ideia que poderia ter evitado o despiste. E se o sistema ABS — que atua sobre a pressão do sistema de travagem, prevenindo o bloqueio das rodas — conseguisse comunicar com uma centralina que medisse o movimento lateral de um automóvel, medindo o ângulo de deslizamento, direção e diferença de velocidade entre as rodas?
De um helicóptero de brincar a um míssil Scud
A ideia era então moderar a potência e/ou ativar os travões de forma individual de forma a prevenir uma derrapagem. Na altura a Bosch trabalhava num sistema semelhante, mas com a diferença de que o sistema só atuava quando os travões fossem aplicados numa emergência. A ideia de Werner-Mohn distinguia-se por o sistema estar sempre ativo, monitorizando constantemente não só o comportamento do automóvel como as condições da estrada.

De regresso à Mercedes-Benz em Estugarda, Frank Werner-Mohn e a sua equipa conseguiram uma permissão para construir um protótipo para colocar a teoria em prática. O primeiro obstáculo foi encontrar um giroscópio que medisse o movimento lateral do automóvel. A solução passou mesmo por comprar e sacrificar um helicóptero! Bem, não um helicóptero a sério, mas um de brincar, controlado remotamente.
Funcionou. O giroscópio do brinquedo demonstrou que a teoria podia ser posta à prática. Mas era necessário mais. O giroscópio do helicóptero revelou-se insuficiente e seria necessário outro com maior capacidade de processamento. E não foram de meias medidas — encontraram o giroscópio com as características ideais num… míssil Scud!
O teste
Munidos dos “ingredientes” corretos puderam construir um carro de testes. Um desenvolvimento que se prolongaria por dois anos.
A decisão de avançar com a integração do sistema em automóveis de produção aconteceria rapidamente após um teste de demonstração à administração da Mercedes-Benz. Nesse teste colocaram um dos executivos de topo da marca — conhecido pela sua condução “tímida” — ao volante do protótipo contra os pilotos de testes oficiais da marca numa pista num lago gelado.

Para espanto de todos o executivo foi praticamente tão rápido como os pilotos oficiais. Nova tentativa com o sistema desligado e o membro da administração não passou da primeira curva, despistando-se. A eficácia do que ficaria conhecido como ESP estava provada para lá de qualquer dúvida. Mais… sabiam que a ideia de Frank Werner-Mohn tinha sido ridicularizada por alguns dos seus colegas?
Frank Werner-MohnLogo que viram que esta tecnologia conseguia prevenir de forma segura uma derrapagem a curvar, a administração aprovou-a logo. Na altura, foi uma revelação.
Em março de 1991 foi dada luz verde para o ESP ser integrado em automóveis de produção. Mas foi apenas em 1995 que tal aconteceu pela primeira vez, cabendo ao Mercedes-Benz Classe S (W140) a estreia do novo sistema de segurança.

O alce que democratizou o ESP
Que a tecnologia funcionava não havia dúvida nenhuma. Mas para os seus efeitos serem realmente sentidos, contribuindo para um decréscimo de despistes, era necessário escala e integrar o sistema na maioria dos automóveis.
Tal aconteceria de forma dramática e “quis o destino” que a Mercedes-Benz estivesse envolvida. Em 1997, uma publicação sueca, a Teknikens Värld, testava o então novo Mercedes-Benz Classe A, o mais pequeno Mercedes de sempre. Um dos testes efetuados implicava uma manobra evasiva de emergência, desviando-se de um hipotético obstáculo na estrada e regressando à sua faixa de rodagem.
O Classe A falhou de forma espectacular o teste e capotou.
A notícia do resultado do teste deflagrou como fogo em palha seca. O jornalista que o testou, ao explicar no que consistia o teste, usou como exemplo uma manobra para evitar colidir com um alce na estrada — situação com alta probabilidade de acontecer nas estradas suecas —, e o nome ficou. O teste do alce fez assim a sua vítima mais famosa.
O problema seria resolvido pela marca alemã ao colocar o ESP no seu modelo mais acessível. Daí a integrar o ESP em toda a sua gama não demorou muito. Como refere Werner-Mohn: “agradecemos ao jornalista que fez o teste porque acelerou a implementação da nossa tecnologia”.
Pouco tempo depois a Mercedes-Benz entregaria as patentes a fornecedores tecnológicos sem cobrar nada por isso.
Uma decisão da Daimler que causou sentimentos contraditórios a Werner-Mohn. Por um lado lamentou que a sua invenção tenha sido dada sem nenhuma compensação financeira, mas por outro lado entendeu que foi tomada a melhor decisão, ao torná-la acessível a todos. Os resultados falam por si: no espaço de 10 anos as autoridades alemãs começaram a verificar uma redução de acidentes sem envolvimento de terceiros nos automóveis equipados com ESP.
Hoje em dia o ESP é equipamento de série na maior parte dos automóveis, desde os citadinos aos superdesportivos. A sua contribuição para a segurança automóvel é inegável. E tudo começou com um despiste…
Frank Werner-Mohn irá reformar-se este ano, após 35 anos ao serviço da Mercedes-Benz. De momento trabalha em tecnologias de condução autónoma que ainda tardarão alguns anos a chegar aos “nossos” automóveis.
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