Auto Talks Estes carros poluem menos mas pagam mais imposto

Estes carros poluem menos mas pagam mais imposto

O objetivo é reduzir as emissões, mas as incongruências da fiscalidade portuguesa, em particular do ISV, penalizam os carros híbridos, que poluem menos.

Renault Clio
© Razão Automóvel

Que a fiscalidade automóvel portuguesa é pesada, não é novidade para ninguém, mas é também injusta e contraproducente. E os carros híbridos são a demonstração disso.

Os híbridos (full hybrid ou não plug-in) são uma forma eficaz e comprovada de reduzir as emissões de CO2, mas em Portugal são penalizados por um ISV (Imposto Sobre Veículos) que continua a olhar para o tamanho do motor — pagam mais imposto que os carros só a combustão, que emitem mais CO2.

Se o objetivo é reduzir as emissões, porque é que penalizamos os que poluem menos?

Hélder Barata Pedro, secretário geral da ACAP, e Hugo Barbosa, diretor de comunicação da Renault e da Dacia, responderam à chamada e ajudaram-nos a perceber as razões por detrás destas incongruências em mais um Auto Talks, o novo formato editorial da Razão Automóvel.

As incongruências do ISV

Hugo Barbosa dá um exemplo concreto de como o ISV é penalizador para os carros híbridos. O Renault Clio 1.0 TCe, só a combustão, tem um pequeno motor com mil centímetros cúbicos e por isso paga 256 euros de ISV. O Clio híbrido (E-Tech Full Hybrid), com motor de 1,6 litros, paga quase 11 vezes mais: 2777 euros. E isto antes de ser aplicado o IVA sobre o ISV que Hugo Barbosa diz que ser “ridículo e ilegal”.

O Clio híbrido é o que tem as emissões de CO2 mais reduzidas: entre 96 g/km e 114 g/km (dependendo da versão), contra 117 g/km e 132 g/km. Uma vantagem de 19%, quase um quinto a menos.

Da esquerda para a direita: Hugo Barbosa, diretor diretor de comunicação da Renault e da Dacia, Hélder Barata Pedro, secretário-geral da ACAP e Miguel Dias, jornalista e coordenador de média da Razão Automóvel.

“É uma injustiça fiscal”, declara Hugo Barbosa. Acontece o mesmo se fizermos este exercício para os outros híbridos do grupo ou de outras marcas, que também recorrem a motores de maior cilindrada e ciclos de combustão alternativos (Atkinson, por exemplo) em busca de uma maior eficiência.

O problema tende a agravar-se. O Grupo Renault introduziu com o Dacia Bigster uma nova motorização híbrida com um motor de 1,8 litros. Esta irá substituir a de 1,6 litros em vários modelos da Renault e da Dacia. Resultado: mais 1500 euros de ISV.

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Porque é que o tamanho do motor ainda é penalizado?

Criado em 2007, o ISV veio substituir o antigo IA (Imposto Automóvel), tendo como novidade no seu cálculo a componente ambiental (CO2) que foi adicionada à componente da cilindrada já existente.

Mas se a componente cilindrada já pouco sentido fazia na altura, hoje não faz sentido nenhum. Não é por um motor ter maior cilindrada que polui mais. Se o objetivo é reduzir as emissões, “o paradigma da tributação terá de ser o CO2“, afirmou Hélder Barata Pedro.

O secretário-geral da ACAP contou-nos que a “reforma de 2007 ficou incompleta”, pois estava previsto o ISV acabar, conforme as receitas do IUC (Imposto Único de Circulação) — introduzido em simultâneo — fossem subindo ao longo dos anos. Mas como refere, “ao longo de 18 anos os governos não fizeram nada ao ISV”.

As consequências não se cingem aos automóveis novos. Também é cobrado ISV aos usados importados que, contrariamente ao desejado, tem beneficiado a entrada em Portugal de carros mais velhos e poluidores — Hélder Barata Pedro explica-nos no Auto Talks como isso acontece.

Há ainda mais um problema

Além do ISV em si, tanto Hélder Barata Pedro como Hugo Barbosa, referem outro fator, ainda associado a este imposto.

No Código do ISV, os híbridos (full hybrid ou não plug-in) pagam uma taxa intermédia de 60% do ISV (ou 40% de desconto fiscal), mas a verdade é que nenhum híbrido é abrangido. E deve-se tudo a um “erro técnico” na lei.

Como Hugo Barbosa referiu, é um erro que até foi reconhecido na altura em que a lei foi aprovada, em 2020 — foi uma das exigências do PAN para concordar com a aprovação do Orçamento do Estado para 2021 —, mas até agora, ninguém o corrigiu.

A conversa com Hélder Barata Pedro e Hugo Barbosa abordou este e outros temas sobre o setor automóvel em Portugal, como o envelhecimento do parque automóvel ou o crescimento da importação de usados. Ou ainda o porquê de Portugal, país produtor de automóveis (mais de 300 mil unidades por ano) ter uma fiscalidade automóvel pesada, semelhante à de países não produtores de automóveis. Há muito para ver e ouvir nesta Auto Talks.

Encontro marcado no próximo Auto Talks

Não faltam, por isso, motivos de interesse para ver/ouvir a mais recente Auto Talks, o novo formato editorial da Razão Automóvel, nas plataformas habituais: YouTubeApple Podcasts e Spotify.