Auto Rádio Porque é que a Europa não gosta de carros baratos?

Auto Rádio #91

Porque é que a Europa não gosta de carros baratos?

A Slate está a dar que falar porque lançou uma pick-up elétrica revolucionária e barata. Mas na Europa continuamos a rejeitar a simplicidade. Porquê?

Guilherme Costa e Miguel Dias no Auto Rádio episódio n.º 91
© Razão Automóvel

Nos últimos dias, uma marca desconhecida do grande público tem estado nas bocas do mundo. Chama-se Slate, vem dos EUA e está a roubar as atenções por um motivo simples: não oferece praticamente nada, a não ser preços praticamente imbatíveis.

O primeiro modelo é uma pick-up elétrica de dimensões compactas: vai custar pouco mais de 24 mil euros nos EUA e com incentivos, pode mesmo ficar abaixo dos 18 mil euros.

Slate Truck frente
© Slate Auto A Slate Truck aposta em linhas simples e em painéis de carroçaria que podem ser facilmente reparados ou substituídos.

Numa altura em que os carros parecem cada vez mais carregados de tecnologia, a Slate Truck é uma espécie de regresso ao essencial e a um certo minimalismo automóvel, há muito esquecido. Mas esta pick-up não é caso único — lembra-se da Toyota Hilux Champ com preços a começar nos 12 mil euros?

São dois modelos com ADN diferente, mas têm pontos em comum: preços baixos, simplicidade extrema e uma certeza — nenhum deles vai chegar à Europa. Afinal, porque é que a Europa não parece gostar de carros baratos? Foi o que tentámos responder no mais recente episódio do Auto Rádio, um podcast da Razão Automóvel com o apoio do PiscaPisca.pt. Ora veja:

Slate Truck: a nova aposta de Jeff Bezos

A Slate Truck parece ser tudo aquilo que a Tesla Cybertruck não é. Se a pick-up da marca de Elon Musk aposta na tecnologia, no design extremo e nas performances de superdesportivo, a Slate segue outro caminho: oferecer o básico dos básicos.

Tem dois lugares, um interior espartano com vidros de manivela e zero ecrãs. Mas não esquece o essencial da segurança, com travagem de emergência e cruise control de série.

O segredo para manter o preço baixo? Vendas exclusivamente online e, sobretudo, uma produção extremamente simplificada. Todas as unidades saem da fábrica da marca em Indiana com a mesma carroçaria e cor. Personalizações? Só depois, com wraps de vinil e mais de 100 acessórios à escolha.

Apesar da palavra de ordem ter sido «simplificar», debaixo do capô a Slate Truck não desilude: motor elétrico de 150 kW (204 cv), duas opções de bateria — 52,7 kWh e 84,3 kWh — e até 450 km de autonomia. Tudo isto com uma carga útil de até 650 kg, um valor suficiente para uma proposta deste género.

Ah, e já agora: um dos investidores por trás deste projeto é nada menos que Jeff Bezos, o fundador da Amazon. E também por isso as comparações com a Tesla Cybertruck acabam por ser inevitáveis.

Toyota Hilux Champ: simplicidade levada ao extremo

Do outro lado do mundo, a Toyota segue uma receita semelhante com a nova Hilux Champ. Uma versão redutora e muito mais acessível da famosa pick-up, pensada para os mercados do sudeste asiático.

A NÃO PERDER: Toyota Hilux Champ. A pick-up que custa menos de 12 mil euros

Linhas direitas para facilitar a produção, plásticos duros no interior e nem sequer a caixa de carga é de série. Mas o que mais impressiona é o preço: a partir de 12 mil euros. Claro que, para chegar a este valor, muitos compromissos tiveram de ser feitos — a segurança e o conforto deste modelo estão muito longe do que esperamos na Europa.

Toyota Hilux Rangga
© Toyota Motor Corporation A Hilux Champ é vendida em alguns mercados do sudeste asiático por preços que rondam os 12 mil euros.

Ao contrário do que acontece com a Slate Truck, esta pick-up que a Toyota vende em mercados como a Índia e a Indonésia, cujos requisitos de segurança são muito inferiores aos que temos na Europa e EUA — a oferta de equipamentos de segurança é, por isso, mínima. O que deixa este modelo incapaz de passar o processo de homologação no «velho continente».

Porque é que estes carros baratos não chegam à Europa?

A resposta é simples e complexa ao mesmo tempo. Mas existem três motivos para isso: normas de segurança e de emissões apertadas; consumidores com expectativas elevadas e custos de homologação. E cumprir todos estes requisitos ia eliminar por completo as vantagens de preço que estes modelos têm.

Se no caso da Hilux Champ parece óbvio que está muito longe do que os clientes europeus procuram e exigem, não podemos dizer o mesmo da Slate Truck, que cumpre os requisitos mínimos em termos de segurança mas dá, ao mesmo tempo, liberdade de escolha a quem a procura.

Para os que desejam um modelo mais simples e espartano, é possível optar por uma configuração base, a preços francamente baixos. Se por outro lado desejam uma proposta mais equipada, já com outro nível de tecnologia e conforto, também é possível: basta pagar mais.

As exceções: Dacia, Citroën… e as marcas chinesas

Dito isto, nem tudo está perdido para quem quer um carro novo e barato na Europa. A Dacia continua a ser a grande campeã dos preços baixos e da simplicidade. Em 2024, subiu para 3,9% de quota de mercado na Europa e entrou no Top 10 das marcas mais vendidas, graças a modelos como o Sandero (o mais vendido da Europa) e o Duster (o SUV mais vendido a particulares).

A NÃO PERDER: Dacia Sandero foi o rei das vendas da Europa em 2024

A Citroën não fica atrás e posicionou a nova geração do C3 com preços que lhe estão a permitir competir «taco a taco» com a marca romena do Grupo Renault.

O novo ë-C3 100% elétrico terá já este ano uma versão abaixo dos 20 mil euros e o C3 a combustão já está disponível com preços que arrancam nos 14 490 euros — foi o modelo mais vendido em Portugal no mês de abril.

O facto da Dacia ser um caso de sucesso na Europa e das vendas recentes do novo C3 também estarem a corresponder, demonstra que os clientes europeus também procuram por carros acessíveis. Mas como começámos por dizer: a Europa parece não gostar deles.

Encontro marcado no Auto Rádio para a próxima semana

Não faltam por isso motivos de interesse para ver/ouvir o mais recente episódio do Auto Rádio, que está de volta na próxima semana nas plataformas habituais: YouTubeApple Podcasts e Spotify.