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China muda regras da indústria automóvel para proteger-se de si mesma

Na China há fornecedores com a corda ao pescoço. Governo de Pequim teve de intervir para reduzir os prazos de pagamento e recurso a crédito.

A partir de agora, o tempo joga a favor das pequenas e médias empresas (PME) chinesas. Entrou em vigor na China uma legislação que impõe novas regras e prazos máximos de pagamento a fornecedores por parte das grandes empresas.

Chama-se Regulamento sobre Pagamentos Atempados às PME (SME Payment Regulation) e pode parecer, à primeira vista, apenas uma medida administrativa, mas pode ser encarada como algo mais. Num setor onde os prazos de pagamento podiam estender-se para além dos 200 dias, poderemos estar perante uma revolução silenciosa.

Até agora, era prática comum marcas como Changan ou Nio demorarem mais de 180 dias a liquidar faturas. Mesmo gigantes como a BYD ou a Geely operavam com prazos médios superiores a 120 dias. Agora, por força da nova regulamentação, esses pagamentos têm de ser feitos num máximo de 60 dias — e, em muitos casos, 30 dias.

O objetivo não declarado do Governo de Pequim é claro: na cadeia de fornecimento da indústria automóvel, proteger as pequenas e médias empresas dos gigantes do setor e garantir a liquidez dos mais pequenos.

Uma mudança que acontece num contexto mais amplo e relevante: a intensificação do controlo regulatório do governo chinês sobre práticas empresariais consideradas desleais, mesmo dentro do próprio país.

Na prática, a China está agora a debater-se no mercado interno com os efeitos que as instituições europeias já haviam diagnosticado no mercado europeu e que levaram à imposição de tarifas europeias aos carros elétricos produzidos na China:

Nos últimos meses, três organismos de topo — MIIT (Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China), SASAC (Comissão de Supervisão e Administração dos Ativos do Estado) e NDRC (Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma) — intensificaram a fiscalização sobre práticas de definição de preços, contratos de fornecimento e estratégias de mercado por parte dos grandes grupos da indústria automóvel.

© BYD Europa Num setor onde a concorrência interna é brutal e onde as exportações começam a ser escrutinadas no exterior, o governo chinês parece agora determinado a reequilibrar o jogo a partir de casa.

O que vai mudar na China

Na prática, o regulamento obriga todas as grandes empresas (estatais ou privadas) a pagarem às PME no prazo máximo de 60 dias, salvo contrato escrito que justifique a exceção. Está proibido o uso de papel comercial ou outros instrumentos que adiem o pagamento real dos valores em dívida.

Marcas como a BYD, Geely, GWM ou Xpeng — que aderiram voluntariamente à norma — decidiram aplicar este limite a todos os fornecedores, independentemente da sua dimensão.

Para os fornecedores, especialmente os mais pequenos, é uma lufada de ar fresco. Para os principais grupos chineses, é uma chamada de atenção: menos folga de tesouraria e mais exigência na gestão financeira.

fábrica BYD
© BYD Num país onde os ciclos de produto são ultra-rápidos e a competitividade feroz, a nova regra pode obrigar à revisão de planos e a acelerar reorganizações internas.

Estado chinês olha para dentro

Desde 2020 que a indústria automóvel chinesa tem vindo a aumentar a sua agressividade, não só do ponto de vista tecnológico mas também concorrencial. A guerra de preços tem levado as margens das marcas de automóveis para mínimos históricos. E para sobreviver, a estratégia tem sido quase sempre a mesma: exportar mais e cortar custos no mercado interno.

Os grandes players do setor têm mostrado margem para aguentar a guerra de preços, mas as empresas mais pequenas estão a começar a mostrar dificuldades em sobreviver. Com este novo enquadramento legal, as autoridades querem travar abusos e garantir a sustentabilidade da sua própria base industrial. Ainda assim, há construtores que não se pronunciaram. Isto num país onde o silêncio também pode soar a resistência.