Crónicas Carta aberta ao meu primeiro carro

Glórias do Passado

Carta aberta ao meu primeiro carro

Tal como em tantas outras coisas, o primeiro carro é aquele que nos deixa mais e melhores recordações. Concordas?

Guilherme Costa com o seu Citroën AX

Meu querido Citroën AX,

Escrevo-te ao fim de todos estes anos, porque ainda sinto saudades tuas. Troquei-te a ti, meu companheiro de tantas aventuras, de tantos quilómetros, por aquela carrinha sueca.

Tenta compreender-me. Ela tinha ar condicionado, um aspecto mais musculado e um motor mais potente. Fez-me tantas promessas que eu acabei por trocar-te. Na verdade, ela oferecia-me coisas que tu jamais sonhavas oferecer-me. Confesso que aqueles primeiros meses de verão foram fantásticos, o ar condicionado deu um jeito tremendo e o motor mais potente tornou as minhas deslocações mais rápidas.

Nem sei sequer se ainda rolas ou se já encontraste o «descanso eterno» num centro de abate automóvel.

Além disso, a minha vida tinha mudado. As viagens passaram a ser maiores, as voltas para a universidade foram trocadas por idas para o trabalho e a necessidade de espaço aumentou. Eu tinha mudado e tu continuavas na mesma. Precisava de um pouco mais de estabilidade (a tua traseira…) e serenidade (a tua insonorização…). Por todos estes motivos troquei-te. Na minha garagem só há espaço para um automóvel.

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Os problemas começaram pouco depois. Desde essa altura, sempre que vejo um Citroën AX penso em ti e nas nossas aventuras. E foi a partir daí que as coisas começaram a correr mal. Tentei recriar na minha nova «sueca» os momentos de diversão que vivi contigo, mas não é a mesma coisa.

Tu eras um libertino, ela é muito controlada. Contigo estava por minha conta e risco, com ela tenho sempre a intervenção dos sistemas electrónicos. Tu tinhas uma condução pura, ela tem uma condução filtrada. Não eras um superdesportivo — o teu motor não debitava mais de 50 cv. Mas a forma empenhada como subias de rotação nas estradas secundárias que percorríamos à procura daquelas curvas (e que curvas!), fazia com que no meu imaginário fosse a bordo de algo mais potente.

Hoje, com a vida mais estabilizada ando novamente à tua procura. Mas não sei nada de ti, infelizmente nunca mais cruzámos «faróis» na estrada. Nem sei sequer se ainda rolas ou se já encontraste o «descanso eterno» num centro de abate automóvel — lagarto, lagarto, lagarto! 

Quero dizer-te que ando novamente à tua procura. Quero saber por onde andas, como tens passado… quem sabe se ainda não temos mais uns milhares de quilómetros para percorrer juntos. Assim espero! Seja de que forma for, foste e serás sempre o meu primeiro carro.

De um condutor que não te esquece,

Guilherme Costa

OBS: Na fotografia em destaque, estão os dois intervenientes desta romântica história de «quatro rodas» no dia em que se separaram. Desde então, nunca mais vi o meu AX. Um amigo meu disse-me que o viu para os lados de Coruche (Ribatejo). Também cortei o cabelo.