Crónicas Há uma pista de Fórmula 1 enterrada em Lisboa

Fórmula 1

Há uma pista de Fórmula 1 enterrada em Lisboa

Lisboa já teve Fórmula 1. Em 1959, o circuito de Monsanto recebeu Moss, Brabham e “Nicha” Cabral, num traçado tão improvável quanto perigoso.

cartaz gp portugal 1959
© DR

Lisboa tem muitas camadas. Algumas são romanas, outras mouras… Mas há uma que quase ninguém conhece: a camada de asfalto que, por uma vez na história, recebeu os melhores pilotos do mundo. Temos de recuar quase 70 anos para desenterrar este circuito histórico que serviu a Fórmula 1, categoria rainha do desporto automóvel.

No entanto, é uma viagem no tempo que vale a pena, sobretudo numa altura em que Portugal é candidato a receber novamente a Fórmula 1 em 2027. E porque ainda faltam dois anos, talvez valha a pena recuar algumas décadas. Temos tempo…

Estávamos a 23 de agosto de 1959 e, se nos esforçarmos, conseguimos contar aquilo que aconteceu nesse dia em poucas palavras: Stirling Moss venceu o Grande Prémio de Portugal, Jack Brabham voou contra um poste de madeira e “Nicha” Cabral, o primeiro português na Fórmula 1, alcançava um honroso 10.º lugar ao volante de um Cooper — Maserati.

Tudo isto num traçado improvisado, perigoso e impossível de replicar à luz dos padrões atuais. Fica em Monsanto e, muito provavelmente, já passou por lá de carro. Não a mais de 200 km/h, mas possivelmente a menos de 50 km/h.

Um traçado improvável no coração da capital

O traçado tinha 5,44 km e era uma manta de retalhos urbanos. Começava na Estrada de Queluz, junto ao então acesso à autoestrada para o Estádio Nacional (hoje A5), seguia pela Estrada do Alvito, passava depois pela Estrada dos Montes Claros, continuava pela Estrada do Penedo e terminava na Estrada dos Marcos, regressando ao ponto de partida.

Uma secção do percurso coincidia com o viaduto de acesso ao Estádio Nacional, e outra cruzava vias com carris de elétrico ainda em uso na época. A altimetria não era neutra: havia subidas e descidas pronunciadas, com curvas em camber invertido, zonas de piso empedrado e bermas irregulares.

Era um misto de tudo o que hoje seria considerado inaceitável: zonas em paralelo, falta de escapatórias, proteção inexistente para o público e obstáculos fixos por todo o lado. Mesmo assim, a corrida contou para o Campeonato do Mundo de Fórmula 1. Eram outros tempos.

Um Grande Prémio de coragem

Moss venceu em Monsanto da mesma forma que já tinha vencido o GP de Portugal na Boavista, no ano anterior: dominando. Fez a pole-position, liderou todas as voltas, assinou a volta mais rápida e terminou com uma volta de vantagem para o segundo classificado. Um verdadeiro recital ao volante de um Cooper-Climax da Rob Walker Racing.

Mas o circuito não perdoava. Jack Brabham, que viria a ser campeão do mundo nesse ano, perdeu o controlo e bateu violentamente num poste de madeira. Foi cuspido do carro. Não sofreu ferimentos graves, mas a imagem ficou como símbolo de uma época em que os erros se pagavam com a própria vida.

1959 - circuito de monsanto - stirling Moss (cooper-climax)
Stirling Moss veio para vencer em 1959.

Circuito de Monsanto morto e enterrado

O GP de Portugal regressou ao Porto em 1960 e Monsanto foi arrumado na prateleira da história. O traçado era demasiado perigoso e cada vez menos compatível com os padrões de segurança da F1, que começavam a mudar.

No entanto, o parque continuou a receber provas locais e nacionais até aos anos 70. Ainda hoje se pode percorrer a Estrada do Alvito, a Estrada de Queluz ou a Estrada dos Montes Claros, sem imaginar que por ali já passaram monolugares de Fórmula 1.

Quem conhece a história vê mais do que uma estrada: vê um circuito fantasma, onde o som dos motores ainda ecoa entre as árvores. Mas o mundo mudou, e hoje é o Autódromo do Estoril que tem vizinhos barulhentos que se queixam do ruído dos motores. Mas em 1959, em Monsanto, acontecia o oposto: era a Fórmula 1 que rugia no meio do silêncio.

cartaz gp portugal 1959
© DR Cartaz oficial do GP de Portugal em Fórmula 1 de 1959.

E assim, por um instante, Lisboa foi o palco do grande «circo» da Fórmula 1. E como quase tudo o que é breve, ficou esquecido. Ou enterrado. O espetáculo poderá regressar em 2027, não a Monsanto, naturalmente, mas ao Autódromo Internacional do Algarve. Felizmente os tempos são outros.

Sabe esta resposta?
Que modelo da Honda Ayrton Senna teve registado oficialmente em Portugal?
Oops, não acertou!

Pode encontrar a resposta aqui:

Honda NSX de Ayrton Senna está à venda. Saiba por quanto