Clássicos O carro secreto da Toyota que deu tareia aos alemães

Glórias do passado

O carro secreto da Toyota que deu tareia aos alemães

Hoje contamos a história do Lexus LS400. Um modelo que mudou a indústria automóvel de forma muito silenciosa, literalmente. Explicamos porquê.

Lexus LS 400 com Mercedes-Benz Classe S e BMW Série 7
© Lexus Europe

Quando a Toyota apresentou o Lexus LS 400, em 1989, não lançou apenas um novo modelo ou uma nova marca: foi uma declaração de guerra às marcas alemãs numa altura em que perdia uma batalha. Que batalha era essa? A batalha do luxo.

É que os “baby boomers”, outrora fiéis à Toyota, que estavam a chegar à liderança das empresas e a progredir profissionalmente, estavam a migrar para marcas como a BMW, Mercedes e Porsche. Era preciso uma resposta à altura. E aquilo que a Toyota fez não foi apenas responder.

Como veremos adiante, foi um ataque silencioso, secreto e meticulosamente planeado ao longo de seis anos, com mais de 60 designers, 1400 engenheiros e cerca de mil milhões de euros de orçamento.

Lexus LS 400 no concessionário
© Lexus Só havia um problema… a Toyota estava longe de ser uma marca excitante. Desta história não nasceu apenas um modelo, nasceu uma nova marca: a Lexus.

Nas próximas linhas revelamos um pouco mais sobre este episódio que fez tremer as fundações da indústria automóvel europeia, redefiniu o mercado nos EUA e, quem sabe, mostrou às marcas chinesas que desafiar os «poderes instalados» não é uma missão impossível. Ah que saudades que tinha de escrever um artigo de clássicos para a Razão Automóvel…

Um projeto secreto com orçamento ilimitado

O projeto começou em 1983 e ficou conhecido internamente como Circle F (de “flagship”) ou F1 (Flagship One) dependendo das fontes. No briefing da administração da Toyota, liderada à época Eiji Toyoda, lia-se algo como “construir um carro melhor do que o melhor carro do mundo”.

De acordo com a Lexus, no final, o projeto do LS 400 terá ficado em cerca de mil milhões de euros. Mas suspeito que tenha sido, mais ou menos, como as obras do Centro Cultural de Belém (CCB), ainda hoje ninguém sabe ao certo quanto é que custaram…

lexus historia ichiro suzuki
© Lexus A liderança deste projeto ficou a cargo de Ichiro Suzuki — não confundir com a marca Suzuki, trata-se apenas do seu nome de família.

O caderno de encargos parecia uma lista de impossíveis: rápido mas eficiente, silencioso mas leve, elegante mas aerodinâmico. Felizmente, a Toyota não impôs limites, nem de orçamento nem de pessoal. O resultado foi uma berlina que quando pisou a estrada superou toda a concorrência europeia em silêncio, conforto e fiabilidade.

Relacionado Afinal o novo desportivo japonês vai ser Lexus ou Toyota?

E à boa moda japonesa, antes de mexer numa única peça (ou palha, se este projeto tivesse acontecido em Portugal), a equipa enviou investigadores para os EUA, onde entrevistaram centenas de potenciais clientes e estudaram o seu estilo de vida. Descobriram que o público-alvo da Lexus vivia num universo à parte e procurava algo simples: queriam o melhor. Simples, não é?

equipa lexus anos 80
O nome “Lexus” nasceu quase por acidente. De “Alexis” passou a “Lexis” e, por fim, “Lexus”. Suficientemente distinto para não ser confundido com a gama Toyota.

Lexus LS 400 não tinha motor então fez-se um

No total, a equipa do Circle F produziu 450 protótipos funcionais do LS400, e levaram quase todos para testes reais em estradas públicas. Alcançaram quase cinco milhões de quilómetros em testes (incluindo Autobahns).

Desses testes resultaram melhorias práticas tão precisas como afinar até o ângulo do motor para que o veio de transmissão estivesse completamente direito de forma a eliminar vibrações desnecessárias.

lexus aerodinâmica
© Lexus A aerodinâmica foi trabalhada ao milímetro: o design final, aprovado em 1987, atingia um Cx de apenas 0,28 — melhor que muitos desportivos da época.

Não havia motor, então fez-se um novo motor V8 de raíz. Aliás, fizeram-se mais de 950 motores protótipo até chegar à versão final, que ficou conhecida por 1UZ-FE.

Recorria a um bloco em alumínio, tinha 4,0 litros de capacidade e uma suavidade que deixou a crítica boquiaberta. Já vamos aos números, prometo.

motor lexus 1uz-fe
© Lexus O novo motor 1UZ-FE não era só muito evoluído tecnologicamente. Estava tão bem “arrumado” que dava vontade de abdicar do capô para ficar à vista de todos.

Suave mas potente como um samurai

Um dos episódios mais badalados deste motor aconteceu no Top Gear, em 1990, quando Chris Goffey colocou um copo cheio de água em cima do motor, ao ralenti, e o líquido não mexeu. Mesmo ao acelerar o motor quase até ao red-line, o copo mal se moveu. O vídeo está aqui, escusam de agradecer — tudo por vocês!

Para atingir essa suavidade de funcionamento, praticamente livre de vibrações a todos os regimes, a cambota tinha oito contrapesos (o normal na indústria eram seis) e seis pontos de apoio (o normal eram quatro). Mais uma vez… dispendioso e sólido como o Centro Cultural de Belém.

motor toyota lexus v8
© Lexus A tolerância permitida a cada componente era mínima. Estava ao nível daquilo que era exigido para os motores de competição.

Brincadeiras à parte, neste motor o mais importante não era a performance, mas sim a suavidade, a fiabilidade e a disponibilidade desde baixos regimes. Tinha de locomover o LS 400 sem esforço aparente… como os motores Rolls-Royce mas a custar uma fração do preço.

Assim, o 1UZ-FE desenvolvia cerca de 260 cv de potência na sua primeira geração, tendo superado os 300 cv nas últimas versões, graças à adopção do sistema de variação de abertura de válvulas VVT-i. Aos dias de hoje parece pouca potência mas os tempos também eram outros. Hoje parece que menos de 800 cv já não impressiona ninguém… enfim.

Números à parte, a fama de fiabilidade instalou-se depressa. Ao fim de poucos meses já haviam variantes do 1UZ-FE nos programas de competição e a gerar mais de 600 cv.

Talvez ainda mais importante, foi um dos primeiros motores da indústria automóvel a receber aprovação da Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA) para uso aeronáutico, em 1997, evoluindo para um V8 biturbo (FV2400-2TC).

lexus ls 400 portugal
O Lexus LS 400 não chegou a ser vendido oficialmente em Portugal. Mesmo assim, encontrei este exemplar, importado, com matrícula portuguesa, num parque de estacionamento. Apesar da idade (e dos riscos na carroçaria) parecia bem de “saúde”. Foi precisamente este encontro imediato que motivou este artigo. Edit: aproveito para pedir publicamente desculpas à minha mulher por me ter esquecido de metade das compras.

Chassis e suspensões de topo

A suspensão do LS 400 era de triângulos sobrepostos (double wishbone), uma solução rara naquela época, mesmo nas berlinas de luxo. Era mais usual em superdesportivos, devido à sua precisão e capacidade de manter as rodas perpendiculares à estrada, sobretudo em curva.

toyota pista oval no japão
Uma foto de família com o Monte Fuji a servir de pano de fundo. No topo esquerdo da imagem vê-se o Toyota Supra (3ª geração), viviam-se tempos interessantes no Japão.

Como opção, o Lexus LS 400 oferecia ainda uma suspensão pneumática controlada eletronicamente, capaz de ajustar automaticamente a resposta e a altura ao solo consoante a velocidade, a carga e as irregularidades do piso.

A estrutura foi igualmente levada ao limite. A carroçaria era mais rígida do que qualquer concorrente direto, recorrendo a soldaduras 1,5 vezes mais resistentes, graças a uma técnica pioneira de soldadura a laser.

chassis lexus
A Lexus estreou também a soldadura de material insonorizante diretamente nas anteparas dianteira e traseira de dupla camada, eliminando vibrações e ruídos antes de chegarem ao habitáculo.

Esta combinação de rigidez e filtragem tornou o LS 400 não só confortável, mas também mais previsível e estável a alta velocidade, algo essencial para enfrentar os rivais que faziam das Autobahns o seu reino.

Interior Lexus prova do tempo

Só entraram os melhores materiais e a melhor tecnologia. Entre outras novidades, o LS 400 estreou um volante com ajuste automático de altura e profundidade equipado com airbag, que recuava para facilitar a saída quando a chave era removida. Hoje parece algo comum mas no final dos anos 80 não era.

interior lexus 1989
© Lexus Tudo o que a Toyota sabia fazer, aplicou no interior deste Lexus. O resto é história… a obsessão continua.

No habitáculo, couro de toque suave e madeira de nogueira eram de série, com bancos elétricos com memória que ajustavam também os espelhos, volante e até o cinto de segurança. Entre as opções, destacava-se um sistema de som Nakamichi e um telemóvel integrado com mãos-livres. Luxos que, na viragem dos anos 90, pareciam ficção científica.

habitáculo lexus ls 400
Há lugares piores para se viajar, não concordam? Mudava talvez a cor dos estofos.

O impacto foi imediato. Quando foi revelado no Salão de Detroit, não houve protótipos nem promessas: apenas o produto final, pronto para colocar os europeus a coçar a cabeça.

Mais do que um carro, o Lexus LS 400 foi um choque cultural para a indústria automóvel. A prova de que o Japão não só podia competir com os alemães, como podia dar-lhes uma verdadeira tareia no seu próprio território: as berlinas de luxo.

primeiro lexus toyota
Os mil primeiros LS 400 destinados aos EUA venderam-se de imediato. No final de 1989, a nova marca da Toyota já tinha entregue 16 mil unidades.

Entretanto, passaram mais de 35 anos e ainda é possível encontrar vários Lexus LS400 pelas ruas, testemunhando a excelência de um projeto que merece ser partilhado. Nem sempre estes artigos mais longos têm de ser sobre supercarros, penso eu.

Voltamos a escrever sobre clássicos na próxima semana? Se as partilhas deste artigo, nas redes sociais e grupos de WhatsApp, superarem as expectativas foi aceitar essa resposta como um “sim”. Até para a semana.