Crónicas Monterey Car Week 2021. Do automóvel meticulosamente restaurado ao mais futurista

Monterey Car Week 2021

Monterey Car Week 2021. Do automóvel meticulosamente restaurado ao mais futurista

Conheçam os pontos altos da edição deste ano da Monterey Car Week, que mostra o quão entusiasmantes os automóveis conseguem ser.

Lamborghini Countach

Pouco importada com a pandemia, a Monterey Car Week (Semana do Automóvel de Monterey), no enclave da multimilionária península à volta de Pebble Beach, decorreu em 2021 com muito entusiasmo a demonstrar o quão entusiasmantes os automóveis conseguem ser: sejam eles insultuosamente caros, calhambeques cuidadosamente restaurados ou sibilantes elétricos futuristas.

Enquanto por aqui na Europa grande parte do público perdeu interesse nos salões de automóveis que foram quase todos cancelados devido à pandemia, na solarenga Califórnia o cenário é bem diferente.

É pena que pelas nossas bandas não haja iniciativas deste género, onde o automóvel pode ter um culto muito próprio sem que seja necessário mascará-lo com um manto da politicamente correta mobilidade.

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Bentley
Bentley. O ambiente certo para apresentar a sua gama?

O Concurso de Elegância de Pebble Beach, cuja primeira edição remonta ao já longínquo ano de 1950 (começou por ser uma espécie de salão de novos modelos até 1955 quando se virou para os clássicos) está longe de ser um museu estático de carros históricos e bem polidos, já que todos estes se movem pelo próprio “pé”, como fazem questão de o mostrar.

Uma caravana composta por muitas destas preciosidades cobre, em cada edição, a distância de 2200 km entre Seattle e Pebble Beach nos dias que antecedem o evento, muitas das quais vão participar nas exibições/concursos, outras apenas acrescentam cor e ambiente aos eventos.

Alguns proprietários preferem ser mais comedidos e tomam parte na menos extensa Tour d´Elegance, que tem lugar na quinta-feira anterior ao fim de semana “mágico”.

Acontece entre Pebble Beach e a zona costeira conhecida como Big Sur, passando pela charmosa vila de Carmel-by-the-sea e de volta a Pebble Beach, com passagem obrigatória pela fabulosa rota ziguezagueante 17 Mile Drive, com uma vista de perder o fôlego, sobre a rochosa e verdejante linha costeira, enobrecida com árvores altíssimas e, claro, o Cipreste Solitário, a árvore-símbolo da Península de Monterey que podemos ver nos uniformes da polícia local, bandeiras municipais, etc.

Bentley
A bordo de um Bentley de “outros tempos”.

Concursos para todas as bolsas

Estas são algumas das atividades associadas ao Concurso oficial, mas entretanto o evento já inspirou outras organizações a promover outras iniciativas satélite distribuídas por toda a península (como o Concorso Italiano para preciosidades transalpinas ou o Concurso Lemons para “chaços a armar ao pingarelho”) e com uma duração de uma semana.

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O que justificou que fossem todas colocadas sobre o mesmo guarda-chuva “Monterey Car Week” que, segundo um dos mais recentes estudos, representa um encaixe na ordem dos 55 milhões de dólares só em receitas de turismo (hotéis, alimentação, etc), uma vez que há cerca de 100 000 visitantes durante toda a semana, metade dos quais provenientes de fora da região.

E os benefícios para esta região não acabam aqui: todos os anos são doados milhões de dólares (cerca de dois milhões por ano) a instituições de caridade (80 nesta região e chegando a cerca de 10 000 crianças) naquele que é o lado mais humano e menos mundano de todo o evento.

Feira das vaidades

O grande destaque da sexta-feira anterior ao concurso de domingo é, desde há duas décadas, o “Quail, uma reunião do desporto automóvel”, uma espécie de feira de vaidades por entre duas centenas de relíquias automóveis e cujo acesso implica o pagamento de cerca de 500 euros a cada visitante (o dobro do que custa o acesso ao Concurso de Pebble Beach que é o pináculo de atividades de todo o fim de semana).

Neste mundo dos automóveis clássicos liquidez financeira é coisa que não falta e os bilhetes esgotaram em fevereiro através de um sistema de lotaria online… pelo menos para os comuns dos mortais, já que para gente ilustre com contas de nível de diretores executivos e celebridades há sempre outras portas abertas.

No “The Quail” para lá do caviar, do champanhe (mais abundantes do que um simples café…), dos trajes elegantes e de muitos fanáticos de automóveis, quem quiser se centrar nos automóveis tem sempre muito com que saciar o apetite e este ano não foi exceção.

Não menos relevantes por aqui são os leilões de automóveis durante a Monterey Car Week que, desde 1990, têm ganho fama a nível mundial, sendo agora os mais famosos e concorridos do mundo.

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Até o domingo terminar em alguma das faustosas mansões de Monterey, são muitas as obras de arte sobre rodas, algumas das quais com mais de um século de vida, que mudam de mãos em eventos ultra exclusivos promovidos por empresas renomadas com a Sotheby’s, a Gooding & Company ou a Mecum.

Cancelamento de 2020 aumentou “apetite”

Parece que depois do cancelamento da edição do ano passado, pelas razões sobejamente conhecidas, o número de eventos organizados durante esta semana especial no triângulo entre o circuito de Laguna Seca, Monterey e Pebble Beach foi ainda maior em 2021, mas a organização teve que refrear os ânimos e criar mais distanciamento e disciplina do que noutros anos.

Lancia Delta

E, pelo que vimos (e com exceção dos leilões por vezes sobrelotados de pessoas e do excessivamente concorrido evento de encerramento no domingo) tudo parece ter corrido de forma bastante controlada. Mas, claro, com uma atmosfera geral mais nacional e menos internacional, já que a esmagadora maioria dos estrangeiros não puderam ou quiseram voar para a Califórnia este ano.

A onda de eventos em Pebble Beach foi enorme. Lamborghini, Audi, Bugatti, Aston Martin e Bentley exibiram com orgulho as suas mais recentes criações aqui ao mesmo tempo que os fanáticos de desportivos italianos se juntaram embalados por uns espresso ou os devotos de uns menos ortodoxos calhambeques se reuniam para apreciar obras de espírito mais livre, tudo num raio de apenas algumas milhas.

Onde também a Mercedes-Benz convidou alguns dos seus melhores clientes para uma primeira vista de olhos secreta do futuro SL, ao lado do sensacional 300 SL de 1952.

A Pininfarina e a Rimac também concentraram as atenções com os seus iminentes hiperdesportivos elétricos de mais de 1900 cv (que são, organicamente, o mesmo carro) e os amigos do lendário Volkswagen “Pão-de-forma” concentraram-se num enorme e imaculado relvado às portas de Monterey.

Ferrari “arraçado” de Toyota?

Aproveitámos para trocar algumas impressões com um dos visitantes da Monterey Car Week, que confirma este gosto exacerbado dos norte-americanos por mostrar os seus carros ao mundo.

Kyle viajou de Ohio no seu Ferrari F430 azul que, na verdade, é uma réplica feita sobre um Toyota Celica de 2001 e agora exibe-o no enorme estacionamento público e aberto em Cannery Row: “comprei esta réplica há apenas quatro semanas por 25 000 dólares”, explica sorridente, “e guiei desde casa até aqui ao longo de quase cinco dias”. Porquê? “Só para poder mostrar o carro”.

Por entre muitos anónimos visitantes dilui-se gente ilustre, como Mate Rimac, o talentoso e jovem fundados da marca de automóveis com o seu apelido, que de promessa de empresa de futuro se transformou já na acionista principal da joint venture criada com a Porsche para gerir os destinos da Bugatti: “este é um lugar onde vendemos sempre alguns carros”, sorri o visivelmente feliz croata.

MAte Rimac NEvera
Mate Rimac, fundador e CEO da Rimac Automobili, em Monterey, a apresentar o Nevera.

Não muito longe dele, Per Svantesson, diretor executivo da Automobili Pininfarina, partilha da mesma boa disposição: “finalmente podemos mostrar o Battista a potenciais clientes americanos e aqui a procura está a ser maior do que nunca”.

O Grupo Volkswagen esteve em alta no domingo de encerramento das festividades com as celebrações do meio século do Porsche 917 e do Lamborghini Countach, neste caso abrilhantada pela apresentação de uma série especial de 112 unidades de um novo modelo (vendidos por mais de dois milhões de euros cada).

Emoções ao rubro na pista e no relvado

Na Monterey Car Week a atmosfera é sempre especial até porque se trata de uma feira aberta ao público, com diversos eventos e oportunidades para se verem carros muito especiais.

Como os BMW 2002, Audi 200 ou Mercedes 560 SEL inscritos no desfile “Lendas das autoestradas” (Autobahn Legends) ou carros de corrida em ação frenética na curva cega de corkscrew (saca-rolhas) na pista de Laguna Seca.

Outro tipo de emoções, igualmente fortes, são as que vivem os donos dos carros que desfilam no Concurso principal no relvado nas imediações do buraco 18 do exclusivo clube de golfe de Pebble Beach.

As suas expressões faciais mostram a tensão de quem quer causar boa impressão junto dos jurados, tanto ou mais do que as palmas da mãos a suar, mais pelo nervoso miudinho do que pelo calor, até porque a entrada para o desfile começa antes dos primeiros raios de sol descerem à Terra no mais especial domingo do ano. E a essa hora o ar está bem fresco.

Um pódio na categoria, um pódio na Geral, uma nomeação honrosa atribuída pelo conhecedor júri ao automóvel clássico faz disparar o orgulho de qualquer zeloso proprietário, tanto ou mais do que a sua cotação de mercado.

1938, Mercedes-Benz 540K Autobahn Kurier
1938, Mercedes-Benz 540K Autobahn Kurier. O vencedor do Pebble Beach Concours d’Elegance. © Kimball Studios

E o vencedor absoluto do Concurso de Elegância de Pebble Beach em 2021 foi, uma vez mais, um modelo anterior à II Guerra Mundial: um Mercedes-Benz 540 K Autobahn Kurier, de 1938, da coleção Keller, uma das mais cotadas do mundo.

Autores: Joaquim Oliveira/Press-Inform.