Notícias Rodolfo Schmid, diretor geral da SIVA. Fiscalidade portuguesa é “demasiado pesada e complexa”.

Entrevista

Rodolfo Schmid, diretor geral da SIVA. Fiscalidade portuguesa é “demasiado pesada e complexa”.

Muitas dificuldades e tantas outras oportunidades num país «travado» pela fiscalidade. Entrevistámos Rodolfo Florit Schmid, managing director da SIVA.

Rodolfo Florit Schmid, managing director SIVA
© Pedro Alves / Razão Automóvel

Rodolfo Florit Schmid é atualmente um dos executivos do setor automóvel mais experientes em Portugal. Licenciado em Direito e Gestão de Empresas, está ligado profissionalmente à indústria automóvel há mais de 20 anos.

Chegou a Portugal em 2016, para liderar os destinos da SEAT Portugal e nunca mais abandonou o nosso país. Hoje conhece como poucos as idiossincrasias do mercado automóvel nacional, ao qual aponta quase tantas críticas como oportunidades.

© Pedro Alves / Razão Automóvel Rodolfo Florit Schmid, managing director da SIVA

Em 2020 assumiu os comandos da SIVA, num processo que culminou com a adição da marca espanhola ao portefólio deste importador que hoje pertence ao maior distribuidor automóvel europeu: a Porsche Holding Salzburg (PHS).

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Atualmente tem sob a sua alçada — numa liderança partilhada com Viktoria Kaufmann, também managing diretor da SIVA — todas as marcas do Grupo Volkswagen, com excepção da Porsche. Motivos mais que suficientes para uma entrevista onde o presente e o futuro do setor automóvel em Portugal foram as notas dominantes.

ISV pesado e complexo

RA: Está em Portugal desde 2016. O nosso mercado ainda o consegue surpreender ou já está imune?

Rodolfo Florit Shcmid (RFS): Não sei se felizmente ou infelizmente, mas ainda não estou. Continuo a ficar desanimado e surpreendido com as novidades políticas, sobretudo fiscais, que recebemos todos os anos.

Acho que temos um sistema tributário, no que se refere à área automóvel, muito pesado e demasiado complexo. Do lado dos particulares, o ISV é muito pesado face a qualquer outro país europeu. Do lado das empresas, sabemos que os impostos depois da tributação autónoma também são difíceis de explicar.

O sistema tributário e as políticas fiscais deviam ter, além de outros objetivos, dois principais: em primeiro lugar a coleta, porque os países precisam de ter um orçamento público para fazer face às necessidades públicas; o outro é ter a capacidade de incentivar hábitos de consumo ou desincentivar outros. É aqui que Portugal falha.

Muito sinceramente, o sistema fiscal português não está a encaminhar o mercado num bom sentido. Os impostos são demasiados complexos, em especial o cálculo do ISV, que tem muitas variáveis, cálculos, coeficientes, etc. São cálculos tão complicados que depois não levam a nada.

Parque automóvel a envelhecer

RA: E que mau caminho é esse que estamos a trilhar?

RFS: Primeiro, a idade do parque automóvel. É muito preocupante e a situação tem vindo a agravar-se. Vamos a dados concretos: a idade média do parque automóvel nacional é de 13,5 anos. Mas mais preocupante ainda é que ⅔ dos automóveis em circulação têm mais de 10 anos e um em cada quatro tem mais de 20 anos.

De todos, é talvez o número mais alarmante, um em cada quatro automóveis a circular nas nossas estradas tem mais de 20 anos.

Isto demonstra claramente a dimensão do problema. Um parque envelhecido não tem só um impacto muito importante em termos de emissões de CO2, mas também em termos de segurança rodoviária. Este é o segundo ponto que não podemos ignorar.

Atualmente os carros são muito mais seguros. Toda a tecnologia atual permite aos condutores ter uma condução mais segura e menos poluente. Não tenho dúvidas: é imperioso e muito urgente tratar este tema.

RA: Como é que se inverte este cenário?

RFS: Há pelos menos três áreas que carecem de intervenção. Os fabricantes e as marcas têm referido à Associação do Comércio Automóvel de Portugal  (ACAP) a necessidade de introduzir um plano de abate de veículos usados no nosso país, que se aplicaria através de incentivos para as pessoas abaterem os carros mais antigos e substituí-los por carros mais recentes.

RA: E qual é que tem sido a abertura do Governo a essas propostas da ACAP?

RFS: Estão sempre abertos a falar, mas ainda não chegaram propostas concretas. Além disso, as mudanças que temos assistido no Governo também não têm facilitado a continuidade do processo, em termos das pessoas que estão a servir de interlocutores.

Rodolfo Florit Schmid com Guilherme Costa
© Pedro Alves / Razão Automóvel

Tínhamos a expectativa de que neste ano de 2023 começasse a desenvolver-se um programa para abate, mas neste momento já não temos certezas de que vá avançar.

RA: Referia a intervenção em três áreas. A primeira era o incentivo ao abate, quais são as outras duas?

RFS: Os carregamentos e a eletrificação. Para os pontos de carregamentos e seu financiamento, mas principalmente para o abate. Esse é o impulsionador da evolução que o setor automóvel e o país precisa, pelos motivos que já enunciei: redução das emissões e melhoria da segurança.

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Custo dos automóveis a crescer

RA: Mas os automóveis também estão a ficar cada vez mais caros. As marcas não têm uma quota de responsabilidade nisto?

RFS: O aumento dos preços tem sido motivado por dois motivos principais. O primeiro tem sido o aumento dos custos dos materiais. A inflação está a afetar todo o processo de produção: dos custos das matérias-primas que usamos para a produção dos carros à eletricidade que usamos em toda a cadeia.

E também todas as necessidades que são requeridas hoje, nomeadamente as novas normas de emissões que se estão a atualizar e que requerem também mais tecnologia no carro. Ou seja, os custos dos carros estão a subir.

Guilherme Costa com rodolfo Florit Schmid
© Pedro Alves / Razão Automóvel

RA: Falando do curto prazo, acredita que vamos ver em 2023 uma estabilização dos preços ou a tendência é para continuar a aumentar o valor médio dos automóveis?

RFS: Vão haver aqui dois efeitos contrários. Por um lado, a inflação a que estamos a assistir — economicamente, é um processo que não termina de um dia para o outro.  Estão a discutir-se e a aplicar medidas em altas instâncias financeiras europeias para tentar travar a evolução dos preços, mas é algo que demora muito tempo até surtir efeito.

Por outro lado, o objetivo de todos os fabricantes é colocar os carros num posicionamento de preço o mais competitivo possível. Nesse sentido, falando dos elétricos, acredito que realmente vai começar a surgir no mercado carros de menores dimensões ou com outras configurações, com preços mais interessantes. Entre estes dois efeitos, vai manter-se a pressão nos preços.

A «invasão» chinesa

RA: Por falar em preços e em elétricos, estamos a assistir à chegada de novas marcas chinesas ao mercado europeu. Como é que as marcas europeias, em alguns casos centenárias, conseguirão responder a esta ofensiva?

RFS: Isso já foi explicado, não na indústria automóvel, mas na biologia. Charles Darwin, na sua teoria da “Evolução das Espécies”, defende que só sobrevive aquele que é capaz de se adaptar ao meio envolvente.

Como refere, o meio envolvente está a mudar. Os mercados estão a mudar e nós temos de mudar também. As nossas marcas têm de se habituar a este novo mercado e a estes novos concorrentes. Temos que adaptar os nossos produtos e preços para sermos competitivos. Esse é o grande desafio dentro dos desafios que temos em mãos.

RA: E já têm algumas respostas para esses desafios ou ainda estão a tentar descobri-las?

RFS: Para já, estamos a preparar novos modelos. Estamos perante uma grande ofensiva de produtos chineses, principalmente elétricos. E nós, enquanto grupo, também temos uma grande ofensiva de elétricos, inclusive no segmento dos compactos. Penso que vamos estar à altura de defender a nossa posição.

Vendas diretas

RA: Não teme pela posição de um importador como a SIVA, quando as marcas já conseguem chegar diretamente ao consumidor?

RFS: Isto faz parte da mudança de paradigma do mundo automóvel (…). A passagem para as vendas diretas é um tema muito atual. E uma das formas é através de um modelo de “agenciamento”.

Em Portugal existem algumas marcas que querem avançar com esse modelo. Nós também já o fizemos, na CUPRA, com o modelo Born. Desde novembro do ano passado que estamos a trabalhar num modelo de “agenciamento” e mais à frente veremos como evoluímos.

O facto de fazermos esta mudança vai estar acompanhada sobretudo pela parte digital, porque só a digitalização nos permite gerir tudo isto. E a única diferença que existirá é que o negócio vai ser fechado entre o importador e o cliente.

Nesta nossa abordagem não estamos a excluir o antigo concessionário, porque, apesar de sermos nós a faturar, é o concessionário que vai tratar da questão da venda e da entrega ao cliente, assegurando desta maneira uma rentabilidade. Por isso, nesse sentido, não vejo grandes mudanças. O importador estará mais envolvido em todo o processo e terá ainda mais peso e influência no processo da venda.

Evolução da SIVA

RA: Recordo-me que uma das suas missões, quando assumiu a direção da SIVA, era trazer as marcas do grupo para os patamares que teve outrora. Já chegou onde queria ou ainda há um longo caminho a percorrer?

RFS: Temos um grande caminho pela frente. Na realidade, avançámos muito, mas ainda não estamos onde queremos estar. Aconteceu, entretanto, a pandemia, a questão dos semicondutores e a guerra na Ucrânia. Enfim, aconteceram inúmeras situações, mas não perdemos tempo.

Rodolfo Florit Schmid com Guilherme Costa
© Pedro Alves / Razão Automóvel

Temos trabalhado na transformação do importador e das marcas, na sua abordagem comercial, no seu posicionamento, na sua oferta e sobretudo também em toda a rede e na digitalização.

Este ano crescemos 12,6% no mercado de passageiros, o dobro do que cresceu o mercado. Crescemos em todas as marcas, a exceção é a SEAT, mas esta combina com a CUPRA e é um salto ainda mais importante.

Todas as marcas estão a evoluir desde 2022, em volume e em penetração, e estamos a ultrapassar as dificuldades de produção. Assim que superarmos as dificuldades de produção, começaremos a ver realmente o potencial que está retido devido às limitações de produção.

RA: Há pouco falava de Darwin e da teoria da evolução. Acha que a SIVA está a evoluir à velocidade necessária?

RFS: A SIVA está a correr ao máximo e acredito que está nas condições de se adaptar às mudanças. A nossa ambição é muito maior do que os resultados atuais e estamos à espera de ultrapassar qualquer desafio que tenhamos pela frente, porque de certeza que virão mais surpresas.

SIVA sede
© Razão Automóvel A sede da SIVA, na Azambuja.

Um dos grandes desafios é ter finalmente um negócio, do ponto de vista da digitalização, bem organizado, para poder gerir de forma eficiente uma rede potente e solvente, bem como um modelo de negócio que seja robusto, competitivo e muito rentável.

Uma visão sobre a indústria automóvel europeia

A transformação em curso no setor automóvel, motivada pela eletrificação e chegada de novas marcas é transversal a todas áreas: da produção à comercialização. Questionámos Rodolf Florit Schmidt sobre o impacto que esta transformação poderá provocar no «motor económico da Europa»: a indústria automóvel.

RFS: Voltamos novamente a Darwin. Temos de nos adaptar à realidade. Aconteceu o mesmo no início dos anos 90 e do século XXI, com a robotização. As fábricas também tiveram de reduzir fortemente a mão de obra e a força de trabalho que tinham. Neste caso, falamos da digitalização e também de novas tecnologias.

Produzir um carro elétrico requer muito menos tempo em termos de desenvolvimento técnico como também em termos de produção.

Volkswagen ID. BUZZ
© Thom V. Esveld / Razão Automóvel O ID. Buzz é o mais recente elétrico da Volkswagen a chegar ao mercado.

Isto terá claramente impacto na quantidade de pessoas necessárias em todo o processo. É uma mudança que tem de ser vista numa perspetiva evolutiva de desenvolvimento na última década e essa mudança tem de ser acompanhada com programas de realocação dos profissionais ou que se “reciclem” profissionalmente as pessoas para que ocupem novos postos de trabalho, alguns deles que hoje em dia não existem.

RA: E relativamente à fábrica de baterias do Grupo Volkswagen. Portugal era um dos finalistas, mas no final foi Espanha que ganhou essa nova fábrica. Onde é que Portugal falhou ou onde é que Espanha foi mais forte?

RFS: Não acho que Portugal tenha falhado e Espanha tenha ganho — é uma visão redutora. Intervêm muitos fatores e há muitos critérios que concorrem na decisão da localização de uma fábrica. Não são avaliados apenas os países. Como fatores, temos também as próprias marcas, a eficiência logística, a eficiência de produção e a parte económica. São de facto muitos fatores.

Volkswagen Autoeuropa
© Autoeuropa Autoeuropa

Não conseguiria fazer um comparativo de que fator estaria melhor ou pior para este ou outro país porque desconheço os detalhes, mas, de acordo com as condições que se aplicaram, a decisão de Espanha deveu-se a ser mais vantajoso fazer o investimento lá.