Notícias Um milhão de veículos até 2026. Crédit Agricole acelera «a fundo» no setor automóvel

Entrevista

Um milhão de veículos até 2026. Crédit Agricole acelera «a fundo» no setor automóvel

Entrevistámos Stéphane Priami, o «homem do leme» numa das maiores aquisições do setor automóvel dos últimos anos: o FCA Bank.

Stéphane Priami

Foi durante a apresentação anual do Credibom — subsidiária portuguesa do Crédit Agricole — que entrevistámos Stéphane Priami, CEO adjunto da Crédit Agricole e CEO do CA Consumer Finance (CACF).

Uma entrevista curta, mas densa, onde este responsável abordou as transformações que o setor automóvel está a atravessar e o papel da banca nesta mudança. Uma transformação que, segundo Stéphane Priami, não se esgota na face mais visível de todas: o automóvel elétrico.

Para assistirmos a essa mudança de paradigma no «motor da economia» Europeia, Stéphane Priami convidou-nos a “olhar além dos automóveis”.

Linha de produção Autoeuropa
Há uma mudança em curso. Na Europa a indústria automóvel é responsável por mais de 13 milhões de postos de trabalho e pela mobilidade de 540 milhões de pessoas. Na imagem: Volkswagen Autoeuropa.

Uma transformação silenciosa

No último Salão de Paris — onde a Razão Automóvel esteve presente — assistimos a algo inédito. Para lá das luzes das grandes estreias e das marcas tradicionais nestes eventos, havia outro brilho.

Falamos do brilho cada vez mais intenso das marcas chinesas — que são cada vez mais e estão cada vez mais fortes — e a presença massiva de bancos e serviços de financiamento entre os expositores.

Equipa Crédit Agricole no Salão de Paris 2022
Num espaço com mais de 500 m2 no Salão de Paris, o Crédite Agricole quis mostrar a força das suas marcas: Agilauto, Banco FCA, Leasys Rent e Sofinco Auto. Em Portugal, a operação do Crédite Agricole tem no banco Credibom o seu principal ativo.

O motivo para tamanha presença num evento de automóveis é claro. Num setor que transita rapidamente da lógica de propriedade para uma lógica de subscrição, o know-how do setor financeiro, adquirido ao longo de décadas através de ferramentas como o leasing, é uma oportunidade e uma importante vantagem competitiva.

Passámos de um setor muito marcado pela propriedade, para um setor cuja tendência é a subscrição. Este fenómeno começou na tecnologia e está a transitar rapidamente para o automóvel. E quando falamos de veículos eletrificados a mudança é ainda maior e mais rápida.

Stéphane Priami, CEO da Crédit Agricole Consumer Finance

É neste tabuleiro de xadrez que Stéphane Priami quer colocar a CA Consumer Finance (CACF) numa posição de liderança até 2025. “O setor automóvel já representa 40% da nossa atividade, até 2025 pretendemos chegar aos 50%”, revelou-nos esta responsável.

Traduzindo esta ambição por números concretos, enquanto parte da joint venture com a Stellantis, o CACF ambiciona chegar a uma frota de 1 milhão de automóveis até 2026. Já a aquisição a 100% do FCA Bank deverá representar “uma atividade no valor de 10 mil milhões de euros” disse-nos este responsável, que está ligado ao Crédit Agricole desde 1987.

Stéphane Priami durante a entrevista
Stéphane Priami em entrevista à Razão Automóvel.

Os riscos e oportunidades da eletrificação

No início da entrevista, Stéphane Priami convidou-nos a colocar o automóvel em segundo plano e a colocar o utilizador no centro das questões. “É aqui que vamos encontrar as grandes transformações”, afirmou. Uma transformação que tem na eletrificação um dos seus principais catalisadores.

Quando falamos de veículos eletrificados, a mudança é ainda maior. Antes contratava-se um crédito de 5 anos para adquirir um automóvel, e após esse período vendia-se o carro. No carro elétrico as pessoas querem alugar o carro. Não querem correr o risco da depreciação, porque o valor real de um veículo elétrico é ainda incerto a longo prazo. A tecnologia está em constante mudança.

Stéphane Priami, CEO da Crédit Agricole Consumer Finance

Uma transformação que vai continuar, assegura: “Há dois anos não acreditaria que seria possível comprar um Tesla de 80 mil euros num processo 100% digital, sem intervenção humana. Hoje é possível. Mas se formos ainda mais longe, muitas pessoas questionam-se se precisam do carro 100% do tempo. A resposta é não. Ou seja, há uma clara oportunidade no que diz respeito aos serviços de subscrição”.

É neste cenário que descreve como “disruptivo e excitante” que o FCA Bank — agora detido a 100% por este banco francês — vem dar um impulso. Presente em 18 países, o FCA Bank vai tornar-se no «braço armado» do CACF nas várias vertentes do setor automóvel e mobilidade sustentável: desde a partilha de carros elétricos às assinaturas de viaturas, passando pelo aluguer que cobre todas as durações, e claro, o financiamento.

Recordamos que mais de um quarto da atividade do FCA Bank resulta de acordos com fabricantes de automóveis e grupos de distribuição — que não se limita ao universo das marcas da Stellantis. E é precisamente nesses campos que, nas palavras deste responsável, encontramos a segunda grande transformação do setor automóvel para os próximos anos.

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A ofensiva chinesa e a concorrência interna

As previsões do setor automóvel apontam para que, daqui a cinco anos, 30% dos automóveis sejam adquiridos online. Uma mudança que está a mexer com o equilíbrio do setor e que está a obrigar os concessionários a rever as suas estratégias perante os construtores.

Passámos de ter concessionários muito ligados a um construtor, para ter concessionários que representam dezenas de marcas e são tão ou mais fortes que algumas marcas. É preciso dar resposta a esta transformação. Estes operadores querem maior autonomia dos construtores.

Stéphane Priami, CEO da Crédit Agricole Consumer Finance

Neste cenário, aquilo que depreendemos das palavras do responsável da Crédit Agricole, é que o setor financeiro poderá ter aqui um papel de «contra-balanço» ao ajudar no reequilíbrio de forças entre as marcas, importadores e concessionários.

Stéphane Priami
Em 2023 o FCA Bank mudará de nome. “Será uma importante ferramenta para marcas e importadores”, adianta Stéphane Priami.

Por outro lado, há novos players a entrar no mercado europeu, nomeadamente as marcas chinesas e americanas. Marcas que Stéphane Priami acredita que poderão desafiar a indústria europeia no curto prazo: “aquilo que assistimos há 40 anos com as marcas japonesas, vai voltar a acontecer, mas a uma velocidade acelerada”.

Os motivos para esta diferença de velocidade reside, segundo este responsável francês, na eletrificação:

Há uma diferença entre aqueles que estão a transitar para os elétricos e as marcas que já nasceram apenas com veículos elétricos. Já temos marcas chinesas a oferecer automóveis com características semelhantes, por exemplo a um Tesla, mas a metade do preço.

Stéphane Priami, CEO da Crédit Agricole Consumer Finance
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Aposta forte no financiamento verde

Na apresentação de resultados e estratégia do Credibom para os próximos três anos, além da digitalização e mudança, houve outra expressão constante: financiamento verde. “Queremos ser líderes no financiamento de soluções que acelerem a transição energética em curso”.

Durante entrevista: credibom go to the future
Go to the future. É o mote que define a estratégia do Credibom e da Crédit Agricole, em Portugal, até 2025.

Stéphane Priami acredita que o crescimento dos veículos elétricos pode constituir uma oportunidade para a banca nos próximos anos: “os consumidores vão precisar de preparar as suas vidas para a utilização de veículos elétricos. Queremos participar nessa mudança, não só através do financiamento automóvel, mas também de todas as necessidades agregadas: do carregamento doméstico à subscrição de serviços”.

Relativamente ao mercado nacional, depois de um ano de 2022 com resultados positivos, as perspetivas de Stéphane Priami para o Credibom são otimistas: “Somos líderes no financiamento ao consumo e no mercado automóvel temos uma fatia muito forte. Nos próximos anos queremos reforçar esta posição”.

Parte desta estratégia de crescimento passará pelo portal Pisca Pisca, o motor de busca de automóveis usados, que nas palavras de Stéphane Priami “terá muitas novidades em 2023”, terminou.