Clássicos Mercedes-Benz 770K Grosser: o carro que Salazar não quis

Glórias do Passado

Mercedes-Benz 770K Grosser: o carro que Salazar não quis

Rejeitado por Salazar por ser demasiado luxuoso e vistoso, este Mercedes-Benz Type 770 andou pela mão de sucateiros e de bombeiros até finalmente ter ido parar ao Museu do Caramulo.

Mercedes-Benz Type 770
© Razão Automóvel

Trata-se de um exemplar que cruza a sua própria história com a história do país. Falamos do Mercedes-Benz Type 770 que pertenceu à Polícia de Vigilância e Defesa do Estado e que se destinava a transportar António de Oliveira Salazar, estadista português que dispensa apresentações.

Um modelo raro, é verdade, mas que podia facilmente confundir-se com as restantes máquinas que repousam naquele espaço, não fosse o seu peculiar passado.

Nas próximas linhas, conheçam a história desta viatura ao pormenor.

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Mercedes-Benz Type 770
Mercedes-Benz Type 770 © Razão Automóvel

Objetivo: servir figuras de estado

Quando a Mercedes-Benz o apresentou em 1930 destacou claramente o seu principal objetivo: servir de viatura a figuras de estado. Imponente e luxuoso por excelência, o Type 770 era motorizado por um oito cilindros em linha com válvulas à cabeça e pistões em alumínio, com 7,7 l de capacidade, debitando 150 cv de potência às 2800 rpm.

Opcionalmente o cliente podia encomendar uma versão 770K, equipada com um compressor tipo Roots, que elevava a potência para os 200 cv às 2800 rpm, possibilitando uma velocidade máxima de 160 km/h.

Salazar, que não fora consultado sobre a aquisição destes automóveis, logo manifestou o seu descontentamento, recusando-se a utilizar o Mercedes que lhe fora atribuído.

Trabalhando por encomenda, a linha de montagem dos Type 770 fabricava também versões exclusivas do modelo, tais como a limusina Pullman ou um blindado, destinado aos mais altos dignatários e à sua protecção.

Do maior e mais caro Mercedes, foram produzidas, de 1930 a 1938, 117 unidades, em Untertürkheim, das quais 42 blindadas na forma limusina Pullmann. O Imperador do Japão, Hiroito, adquiriu três e para o Estado Português vieram dois em 1938.

Mercedes-Benz Type 770
Mercedes-Benz Type 770 © Razão Automóvel

Para além da sua blindagem, a carroçaria Pullmansteel oferecia níveis de conforto e luxo inigualáveis na série W07. O amplo interior era detalhado à mão por trabalhadores especializados de forma a garantir que os ocupantes viajavam no mais alto requinte.

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Disponível em várias configurações na parte traseira, a mais popular era a “vis-a-vis”, onde as duas filas de bancos estavam face a face e podiam albergar até seis pessoas. A limusina Pullman era uma referência na época, destinada a rivalizar com modelos semelhantes da Rolls-Royce.

A encomenda

Após o inconsequente atentado à bomba levado a cabo no domingo, dia 4 de julho de 1937, quando Salazar se encaminhava para assistir à missa da manhã na Avenida Barbosa du Bocage, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) tratou de encomendar, a 27 de outubro de 1937, dois modelos Type 770 Grosser com carroçaria blindada Pullmansteel.

A nota de encomenda foi feita através do agente da marca, em Lisboa, a Sociedade Comercial Mattos Tavares, Lda. que tratou de a passar para os escritórios da marca na Alemanha.

Dada a especificidade do modelo, a encomenda tardava em chegar e por esse facto foi comprado um Chrysler Imperial, igualmente blindado, tendo este entrado ao serviço a 22 de novembro de 1937 e sido utilizado não só como veículo de Salazar, mas também como meio de fuga de oito presos políticos da prisão de Caxias.

Segundo os arquivos da fábrica, a construção do chassis data de 18 de janeiro de 1938, e a das carroçarias Pullmansteel de 9 de março. Os dois carros foram expedidos para Lisboa em 12 de abril.

Ambos foram matriculados em junho de 1938 em nome da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, e são postos à disposição dos Presidentes da República e do Conselho: General Oscar Carmona (AL-10-71, chassis #182 067) e Prof. Oliveira Salazar (DA-10-72, chassis #182 066).

Salazar, que não fora consultado sobre a aquisição destes automóveis, logo manifestou o seu descontentamento, recusando-se a utilizar o Mercedes que lhe fora atribuído. Acabaria por o utilizar apenas uma vez, por ocasião da visita oficial do Generalíssimo Franco, em 1949.

Vendido a um… sucateiro

Normalmente o 770 era aproveitado pelo motorista Raul para transportar as visitas ao Palacete de S. Bento. Daí só acusar 6000 km quando, 17 anos depois, é mandado vender em hasta pública, pela direção-geral da Fazenda.

Arrematado por seis contos pelo sucateiro Alfredo Nunes, que o regista, em 9 de fevereiro de 1955 em seu nome, é pouco tempo depois vendido aos Bombeiros Voluntários do Beato e Olivais com o fim de ser aproveitado para uma ambulância. Porque o custo de transformação se revelou elevado decidem vendê-lo, em 16 de junho de 1956, a João de Lacerda para figurar no Museu do Caramulo.

Mercedes-Benz 770K Grosser
© Razão Automóvel

Atualmente acusa no odómetro apenas 12 949 km, por ter circulado desde 1956 com alguma frequência para conservação da mecânica. Nunca houve necessidade de o restaurar por estar, desde a pintura aos cromados e estofos, impecável.

Até os pneus são de origem, sendo mantidos as 40 libras de pressão, não acusando “gretas” nos flancos, talvez por terem sido fabricados com borracha sintética “tipo Buna”.

É, pois, considerado o mais perfeito e bem conservado Mercedes-Benz 770K “Grosser” do Mundo.

Fonte: Museu do Caramulo