Crónicas A relação entre os rituais de condução e o prazer de conduzir

Rituais

A relação entre os rituais de condução e o prazer de conduzir

Os rituais fazem parte da condição humana – até da natureza em geral, dirão alguns – e portanto estão presentes tanto nos mais insignificantes como nos mais importantes eventos das nossas vidas.

Rituais

Os rituais têm muito que se lhe diga. Aposto que há milhões de teses sobre o tema, e logo por azar estão a ler uma espécie de ensaio escrito por alguém que só queria falar de automóveis – que karma…

Voltando aos rituais e deixando as questões karmicas de lado, diz quem sabe que os rituais são normas padronizadas de comportamento, que servem para facilitar a nossa convivência em sociedade: “olá, tudo bem?”, “com licença”, “muito prazer”, “faça favor”, “bom dia”, “boa tarde”, etc. Outras vezes representam apenas actos preparatórios de algo que vale a pena ser feito de acordo com um determinado rito.

Depois, acabar o dito café, puxar o «ar» do motor e dar à chave sem ter a garantia de que o motor vai acordar.

Imaginem o que seria ver um jogo da selecção nacional sem ouvir primeiro o hino… impensável! Metade da “piada” está nestas pequenas coisas. Coisas que tornam um evento “normal” em algo verdadeiramente único.

Outro exemplo? O cortejo às senhoras. Há quem defenda que é muito mais interessante todo o ritual de conhecimento mútuo homem/mulher do que propriamente a efetivação da conquista – alguns chamam-lhe flirt – mas mais uma vez estou a falar de algo sobre o qual sei muito pouco. Espero lá para a frente começar finalmente a falar de automóveis…

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Ah! É agora que começo a falar de automóveis. Posto isto, não é de estranhar que conduzir enquanto manifestação de vontade e de algo verdadeiramente especial, também seja um fenómeno cheio de pequenos e grandes rituais. Até digo mais: é destes rituais que depende a tão aclamada sensação de «prazer de condução». Pelo menos no meu caso é assim.

Ninguém percebe mais de rituais que os ingleses. Parece que eles são os «pais» da coisa. Tem um ritual para tudo, a tal politeness inglesa, o que não é de estranhar tendo em conta o seu passado histórico. E depois há os americanos, que seguem a mesma linha mas que acrescentaram um pouco mais de barulho e dinamite à coisa. Trocaram o chá, as bolachinhas e o «very british» por uma diva de voz potente com uma guitarra na mão, a «The Stars and Stripes» na outra e uma metralhadora às costas.

É impossível não gostar dos americanos, é malta do showbiz. Sempre que vejo as declarações do Presidente dos Estados Unidos da América à imprensa dou por mim à procura de um balde de pipocas. Fico sempre na expectativa que haja um momento musical, de magia ou uma explosão.

No fundo, tanto ingleses como americanos são adeptos de rituais, com as devidas diferenças culturais, claro. Nós portugueses também temos os nossos rituais. Mas já me perdi novamente. Do que é que eu queria mesmo falar? Já me lembrei: automóveis! Parte do prazer de conduzir está intimamente ligado com diversos rituais. O prazer de condução não nasce objectivamente de eficácia, velocidade e potência do automóvel… por incrível que pareça, tudo isso é acessório. Importante claro, mas acessório.

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Vejamos o exemplo dos automóveis clássicos. Por muitos anos que passem, os clássicos serão sempre amados. Eles oferecem rituais que os automóveis modernos não oferecem. Quase consigo imaginar-me a ir para a minha garagem, com uma chavena de café na mão e um jornal na outra, apenas para cheirar os odores que só os antigos motores emanam enquanto tomo o café da manhã e leio o tal jornal. Depois, acabar o dito café, puxar o «ar» do motor e dar à chave sem ter a garantia de que o motor vai acordar.

Não sei, a incerteza às vezes é gratificante. Senão também tenho bom remédio: iniciar o ritual (outro…) de abrir o capô, coçar a cabeça e pensar #$%!”#!!!

Mas vamos romantizar um pouco menos as coisas e falar de rituais mais práticos. Como por exemplo, meter mudanças. Ah meter mudanças! Rodar uma chave de ignição. Calçar umas luvas de cabedal para conduzir aquele roadster. Contra-brecar sem sentir interferência de ajudas electrónicas. Andar de vidro aberto. Querem que continue?

Também podemos dar o exemplo dos desportos motorizados. Os momentos que antecedem a formação da grelha de partida ou a bandeirada de xadrez. A subida ao pódio regada com champanhe e lá está… o hino nacional. É nestes pequenos detalhes que residem os maiores prazeres da vida.

Só um último ritual, prometo que é o último. Chegar a casa ligar o computador e visitar a Razão Automóvel. Há melhor? Esperamos que a resposta seja não. A menos que tenham um clássico na garagem e uma chávena de café na mão…